quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

E meu mundo girou


Ontem me peguei revirando algumas gavetas. Não sabia muito bem o que procurava, talvez tudo o que eu queria era rever livros, apostilas e papéis velhos que ali jaziam desde 2008. Passei brevemente os olhos sobre o caderno que usava no cursinho, reli alguns esboços de redação, encontrei o encarte publicitário do cursinho, com a foto e o nome dos aprovados no vestibular 2009 da UEL. Foi bom recordar aquele vitorioso 16 de janeiro, ouso dizer que foi um dos dias mais felizes da minha vida. O ano de 2009 realmente passou voando. Mesmo sem saber se fiquei ou não de exame em Sociologia, sinto-me estimulado com o fato de em breve me tornar um veterano.
Esse primeiro ano na Universidade foi um tempo intenso e de muitas mudanças, foi, sem dúvida, um período de amadurecimento e enriquecimento cultural. Todavia, creio que as melhores recordações não ficaram por conta das técnicas jornalísticas que aprendi ou dos seminários que apresentei. As pessoas que conheci esse ano, sim, foram responsáveis por minhas melhores lembranças. Desde as mais cômicas como as reuniões no Parque Universitário e as peripécias pelos barzinhos da cidade, até as mais simples como os jantares no RU e os papos regados ao café aguado do Pinguim. Para mim, ingressar na academia não significou apenas o ponta pé inicial para a profissão que escolhi, representou encontrar pessoas incríveis, cuja amizade eu quero levar para o resto da vida.
Em 2009 eu aprendi que passar o fim de semana estudando nem sempre garante boas notas, mas o fazer continua sendo a alternativa mais coerente. Aprendi também a não traçar longos percursos, e sim percorrê-los aos poucos enquanto seu trajeto é desenhado ao sabor do acaso. Nesse ano me vieram novos amores, cada um, com sua graça peculiar, me fez (faz) feliz de maneiras diferentes. Também em 2009, veio ao mundo o maior amor da minha família, uma bela e encantadora garotinha de olhos grandes. Em outubro eu finalmente consegui a aguardada CNH, minha carta de alforria aos ônibus lotados.
Em 2009 eu chorei, sorri, gritei, dancei (sim!). Esse foi o ano em que percebi o quanto fico engraçado quando de porre. Foi o ano em que tive medo, medo de perder pessoas que estimo, medo da violência, medo da rejeição, medo de fazer escolhas erradas, medo da vida. Mesmo assim, digo sem sombra de dúvidas que foi o ano em que mais vivi! Àqueles que, de uma forma ou outra, me ajudaram, me alegraram, me suportaram ou simplesmente marcaram presença, o meu obrigado. Vocês contribuíram para a construção de parte da minha felicidade (porque a felicidade é algo que edifica-se em partes, cuja estruturação jamais cessa). E, por que não, do meu caráter.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Siga os ditames e seja feliz


Preceitos "verdadeiros" para que a ordem seja mantida.


Tenha um emprego. Ganhe seu próprio dinheiro e pague suas contas. Não falte às aulas. Entregue em dia todos os seus trabalhos e leia a bibliografia básica do curso. Planeje o futuro e vislumbre onde quer estar daqui a cinco anos. Seja gentil com as pessoas e diga sempre “obrigado”. Tenha cuidado com o que fala! Palavras cirúrgicas não são bem-vindas em nossa sociedade. Cultive a política da boa vizinhança, mesmo que isso compreenda calar aquele “filho da ...” que vem à boca quando vez ou outra te prejudicam (há verdades que não precisam ser ditas, mantê-las incólumes dentro de si, às vezes, pode transformar o teu silêncio no mais eloquente dos discursos).
Ria quando a situação for engraçada. Mas o faça moderadamente, afinal, exageros são para os insensatos. Comova-se quando for o caso, no entanto, guarde as lágrimas para mais tarde, no quarto. Chorar em público é coisa de gente fraca, que não tem autocontrole. Use roupas que descrevam quem você é. Compre. Parcele em quantas vezes for preciso. Troque por um novo. Gaste! Pois, como diriam os Engenheiros, a “satisfação é garantida, e a obsolescência é programada”. Globalize-se. Entenda o porquê de tantos protestos contra o presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad (mas antes, procure recordar para quem você votou nas últimas eleições para deputado estadual). Mantenha-se informado. Atualize-se. Não perca tempo!
Não faça greve, tampouco apóie movimentos sociais. De baderneiros já bastam os que organizam o narcotráfico. Não fure o sinal vermelho nem exceda o limite de velocidade da via, ainda que isso possa evitar que roubem teu carro ou te baleiem na cabeça. Não fume em bares e boates e em toda sorte de lugares públicos, exceto a rua. Não fume. Beba com moderação. Use camisinha e, sobretudo, faça sexo sempre que solicitado. Afinal de contas, você é homem, oras! Não use drogas. E, por último mas não menos importante, mantenha-se sóbrio! Mesmo que o mundo a sua volta rogue por certa dose de insanidade.

domingo, 20 de dezembro de 2009

So easy


Por que você não acredita quando eu digo que o que passamos juntos foi importante para mim? Não tenho o costume de mentir, muito menos de brincar com os sentimentos de outrem. Na realidade, nunca fui um conquistador ou o queridinho das garotas. Apaixonei-me algumas vezes, mas sempre cheio de reservas. Ainda não aprendi a relaxar e a permitir que o acaso ensine o certo e o incerto. Infelizmente levo comigo alguns preceitos particulares dos quais ainda não tive coragem de abrir mão, eles são culpados por esse meu medo de me envolver.
Foi você quem sempre falou que não havia um manual que nos mostrasse como proceder, que não era necessário lidar com certas coisas de forma tão regrada. Sabe que você me lembra uma canção? “So easy” é o nome dela. Não há como dizer que para mim foi tudo em vão, a verdade é que eu tentei assimilar uma porção de coisas. No começo do mês, depois de tanto tempo, entrei novamente em seu apartamento para pegar algumas cervejas junto com uns amigos. Foi bom rever a cama cheia de roupas, os copos e pratos por lavar. Fiquei poucos minutos por lá, o bastante para passar os olhos em tudo, inclusive em seu mural de fotografias, no qual obviamente não estou.
Agora você anda dizendo que sou eu o culpado por seu mau humor, fala que gostaria que eu me magoasse com a pessoa que agora está comigo, admite querer que eu me machuque, na mesma proporção que um dia eu te machuquei. Ora, perdoe-me se te feri. Mas por que você se diz ferida? Moça, talvez eu não tenha tentado o bastante, talvez eu não tenha nos dado o tempo necessário, entretanto, creio que você estaria pior se a gente tivesse continuado. Você me acusa de leviandade, todavia, creio que o meu grande erro seria não ter tentado. E desse fardo estou livre. Não é sempre que as coisas saem como planejamos. Não devemos nos crucificar ou procurar responsáveis por nossos insucessos.
Querida, aceito se disser que nunca mais olhará em meus olhos, entendo se declarar que não é possível a gente freqüentar os mesmos lugares sem que pese o clima. Mas, sinceramente, não me arrependo de nada. Nada. Dentre todos os possíveis adjetivos, eu realmente espero que você tenha levado apenas o meu melhor. Foi o que fiz com você.

domingo, 22 de novembro de 2009

Bagunçada bagagem


Quando a luz do Sol enfim transpôs a persiana Fred tomou coragem para deixar a cama. Sobre o criado mudo estavam o cinzeiro, o maço de cigarros e o saudoso retrato que ele havia tirado com Ariel no outono passado. Naquela época as preocupações não eram as mesmas de agora, naquele tempo as brigas e discussões não surtiam efeito algum, eles se sentiam inabaláveis. Hoje as coisas não mais funcionavam daquela maneira, tudo estava diferente, apesar de Ariel ainda conservar o olhar tenro e sua pele ainda cheirar a alecrim.
Há algum tempo atrás, após o término daquela aula de ética que era um porre, Fred e sua moça juraram amor eterno. Ele beijou a mão suave de sua pequena enquanto inalava o perfume que vinha de seus cabelos, tão curtos quanto os dele, mas de uma beleza incomparável. Fred prometeu que se casariam após a faculdade, Ariel assentiu, já que não restavam dúvidas de que aquele era o homem com o qual ela queria amanhecer todos os dias.
Antes mesmo de lavar o rosto, o rapaz acende um cigarro, senta sobre o pufe vermelho ao lado da cama e se põe a recordar momentos de uma história que por longa data foi como um sonho bom, daqueles em que a gente não quer nem acordar. Abraçada ao travesseiro estampadol, Ariel dormia serena e ingênua, como quem dá de ombros para tudo o que pertence ao mundo desperto.
Fixados com imã na porta da geladeira estavam a conta de luz e o boleto para pagamento do aluguel do pequeno apartamento. Na despensa havia apenas um vidro de Nescafé e de azeitonas, açúcar, óleo e um pacote de arroz pela metade. Desde que decidiram morar juntos os dois passavam por apuros. Os pais de Ariel desaprovavam o romance, por conta disso mandavam apenas o dinheiro que a garota gastava com transporte e alimentação durante o período de aulas. Fred era estagiário numa agência de publicidade, ganhava pouco. Da mãe, funcionária pública, obtinha apenas o dinheiro do aluguel.
Fitando de longe a ultrasson jogada num canto do quarto o rapaz entendia o quanto amores arrebatadores e realidade podem representar elementos antagônicos. No dia em que Ariel trouxera suas roupas e pertences para o número 104 do residencial Manuel Bandeira nem lhe passava pela cabeça engravidar no mês seguinte. Tudo bem que os dois já haviam pensado em um casal de filhos e em todos os presentes que circundariam a árvore de natal nos tempos de festa, mas aqueles eram planos para uns oito ou dez anos adiante.
Ainda restava um ano e meio para a formatura e seu ingresso efetivo na tão sonhada profissão, entretanto, Fred já sabia o que era fazer alguns serviços por fora para pagar uma conta que sua renda mensal não conseguia cobrir. Dois anos para planejar seu casamento e arquitetar a lua de mel em Porto de Galinhas, e daqui a seis meses o jovem já seria pai. Era moço e não tinha muito conhecimento de mundo, mas agora tinha ciência de que a falta de dinheiro realmente pode abalar relacionamentos.
Fred sente um lampejo desesperador, um nó angustiante na garganta. Olha para o telefone e pensa em ligar para a mãe, chorar e pedir abrigo contra as quimeras que lhe assombravam a mente. Na cama, Ariel desperta e lhe sorri um sorriso encantador, o que logo o faz desistir da ligação, acender outro cigarro e voltar para a cama.

sábado, 7 de novembro de 2009

Sabadaço...


Já é noite, noite de sábado, quase 22h30 e eu sentado em frente ao computador. Procuro palavras capazes de descrever meus pensamentos, mas não há inspiração para tal. Às vezes nem eu os entendo. Eu realmente espero que as irrelevâncias aqui digitadas abstraiam um pouco minha mente. Não quero e nem vou reclamar, não pretendo contar como foi meu dia nem detalhar como foi que eu consegui ferir meu joelho e cotovelo direito. Basta dizer que caí, de moto, numa pista escorregadia, cheia de barro e pedriscos. Por sorte o meu anjo da guarda não é displicente, tudo bem que desde a tarde os machucados insistem em sangrar, mas para essa ocasião o ditado clichê vem a calhar: “dos males o menor”.
Lá fora o chão ainda está molhado, o ar está leve, gostoso de ser respirado. Mesmo assim prefiro ficar aqui, longe de todo o som típico das noites de sábado, distante das gargalhadas e das vozes alteradas. Na zona oeste da cidade acontece uma das festas mais esperadas do ano, aquela que dizem ser “a maior festa à fantasia do mundo”. O pessoal da sala comentou de irmos todos juntos, até planejamos fantasias e rimos quando alguém me sugeriu que eu fosse de Beto Carrero. No fim das contas nem sei ao certo quantas pessoas foram.
Hoje preteri a companhia dos amigos e a irreverência da noite londrinense pelo pastel de carne da dona Marly e um filme estrangeiro em DVD. Pela janela observo a vermelhidão das nuvens, acho que alguns baladeiros irão se frustrar. Eu nem me importo, hoje fico em casa cuidando dos meus pormenores, seco.

domingo, 25 de outubro de 2009

Opinião: o brasileiro e sua vida virtual


É cada vez maior o número de brasileiros conectados à internet. Isso se deve principalmente à popularização das lan houses, mas também há outros fatores, como a ampliação de linhas de crédito exclusivas para a aquisição de computadores de baixo custo. De uns tempos para cá, com o crescimento da renda média do brasileiro, milhões de famílias tiveram acréscimo de seu poder aquisitivo ou incluíram-se na chamada “classe média”. Podemos dizer que a íntima relação que o país tem estabelecido com a rede mundial de computadores é perfeitamente aceitável. E por que não, previsível?
Ah! Não podemos deixar de dar crédito ao mais famoso site de relacionamentos da rede, o Orkut. Comumente encontramos pessoas que jamais haviam acessado a internet solicitando aceitação como amigo virtual. Nada contra o site e seus usuários, até mesmo porque também conservo o meu perfil por lá. Mas o que se mostra preocupante é banalização desta ferramenta comunicacional. Há algum tempo atrás o álbum virtual do Orkut comportava apenas dez fotos, esse número foi aumentando, hoje o site é capaz de armazenar cerca de 1000 fotografias. Arrisco a me dizer que o site ajudou a trivializar aquilo que outrora fazíamos como forma de eternizar um momento, torná-lo memorável. Parece-me que atualmente adolescentes e jovens utilizam suas câmeras digitais ou as câmeras de seus modernos celulares apenas para atualizar seus respectivos profiles. E é sempre assim, um passeio pelo shopping, foto para o Orkut, viagens ou apenas visitas à lugares diferentes, dá-lhe atualização, o barzinho ou a balada da última noite, fotos novas no álbum. É facilmente perceptível que muita gente vem utilizando de sites de relacionamento como ferramenta de auto-afirmação, os álbuns e perfis reduziram-se a meros instrumentos de exibicionismo, em que o internauta mostra “o quanto é popular” ou tem uma vida agitada.
A bola da vez agora é o Twitter, uma rede social cuja principal característica é a comunicação rápida e instantânea, já que os tweets, como são conhecidas as postagens dos usuários, podem conter no máximo 140 caracteres. Há quem diga que o Twitter está abalando as estruturas no jornalismo convencional, posto que em alguns casos ele desbancou até os consagrados emissores de informação. Foi o caso da maior onda de protestos desde a Revolução Islâmica de 1979, deflagrada após a votação que reelegeu o ultraconservador Mahmoud Ahmadinejad como presidente do Irã. Centenas de milhares de pessoas tomaram as ruas com manifestações, e tudo, é claro, era postado detalhadamente em tempo real no Twitter. As mesmas twittadas foram o meio pelo qual manifestantes informavam uns aos outros onde encontravam-se os militares subordinados à força nacional, a fim de evitar que mais protestos fossem reprimidos. A CNN só conseguiu realizar uma cobertura decente três dias depois. E tudo porque a polícia fez marcação cerrada contra a imprensa. No caso dos manifestantes isso não foi empecilho.
A velocidade das informações disseminadas pelo Twitter é uma das prerrogativas de que dispõe a rede social. Michael Jackson morreu às 17h26 do dia 25 de junho, pouco tempo depois um site de fofocas estampou a notícia. Twitteiros espalharam freneticamente a notícia e em questão de minutos internautas do mundo todo sabiam da morte do astro pop. Isso, ao mesmo tempo em que os grandes veículos de imprensa como CNN e The New York Times noticiavam apenas que o cantor estava internado. Esperavam confirmação advinda de fontes mais confiáveis para só então apresentar o fato da maneira como as informações preliminares indicavam. É nesse ponto que uma ponderação em relação às vantagens do Twitter como veículo de informação deve ser feita. A intenção de seus usuários é publicar rapidamente uma mensagem, não checar suas informações. Dessa forma, a veracidade dos fatos pode ficar comprometida, já que os tweets são carregados de afirmações unilaterais, são o que o usuário afirma e pronto. No jornalismo comum os fatos são observados, pesquisados, rechecados, para só então uma possível matéria ser editada e publicada.
Voltando à simpática relação entre os brasileiros e a internet, o que tem de ser dito é que muitos cidadãos têm sido privados conscientemente de suas vidas reais por optarem por ficar horas e horas na frente do MSN, em salas de bate-papo ou visitando perfis de Orkut. O que observamos é uma super valorização da vida social digital do internauta, talvez ele tenha 300, 400, 500 amigos no Orkut mas não receba sequer uma ligação desejando-lhe um bom fim de semana. As pessoas conhecem-se pelo Orkut, trocam scraps e até e-mails, no entanto, o que sabem a respeito uma das outras é apenas aquilo que o outro desejar mostrar. E todos sabemos que não é nada difícil exibir “uma outra vida” através da telinha do computador.
O Orkut está presente em toda a rede mundial de computadores. Não parece interessante que ele tenha alcançado tamanha notoriedade e importância (na vida de alguns) somente no Brasil? Esse dado evidencia que nossos internautas podem estar exagerando na dose, substituindo sensações, emoções e experiências de verdade por imagens, fotos e caracteres enquadrados em seus monitores.
É louvável que o país esteja incluindo-se na era digital, assim como é muito bem vinda a democratização do acesso à informática e a crescente leva de brasileiros conectados. Entretanto, existem muitos outros fatores que devem ser observados com cautela. Quando mantemos certos avanços, ao passo que eles apresentam-se em detrimento da saúde física e mental (vida real relegada pela virtual) de nossa população é sinal de que algo está errado.

sábado, 17 de outubro de 2009

Sobre a reportagem fotográfica e suas resultantes


O alarme do celular despertou às 7h15, e isso em pleno sábado. O dia amanhecera feio, cinzento. Lá fora a chuva caia forte, me atraia de volta ao edredom. Cochilei por mais alguns momentos, espertava os ouvidos para saber se o aguaceiro havia dado trégua, que nada. Após ter ido me deitar quase às 4h30 da manhã, tudo o que eu queria era aproveitar o calor e o conforto da minha cama, mas isso não era possível, existia uma pauta para eu cobrir, da disciplina de fotojornalismo.
Tomei coragem e arrastei-me vacilante até o telefone. Disquei alguns números e desejei muito que a voz do outro lado da linha me dissesse que o evento havia sido cancelado por causa da chuva. No entanto, só em pensar em montar e cobrir outra pauta, e isso para a próxima quarta-feira, já me desanimava. A pessoa que atendeu informou-me que apesar do temporal as atividades programadas já estavam em andamento, e que ocorreriam até o meio dia, diferentemente do que eu havia pautado (18h00). Não tinha como fugir. Arrumei-me depressa, preparei câmera, caderno e caneta, tomei uma xícara grande de café e mais três cápsulas de guaraná, por sorte e num surto eventual de bondade minha mãe liberou o carro e até decidiu me acompanhar.
O tal evento foi intitulado de “Viver aqui é bom demais”. Vou logo explicando: a ideia partiu de um grupo de médicos que, interessados em promover algo filantrópico, decidiram estender seus serviços àqueles que não podiam pagar e buscaram o auxílio do município. Eles encontraram respaldo da prefeitura, que também topou o desafio. Dessa forma, a administração municipal leva, por meio de todas as suas secretarias mais a iniciativa privada, diversos serviços à comunidade. Alguns deles são: atendimento médico grátis e realização de exames para idosos previamente cadastrados nos postos de saúde, corte de cabelo, esclarecimentos na área jurídica, checagem de vagas de trabalho pelo SINE, recreação infantil com profissionais de educação física, registro e renegociação de dívidas junto à COHAB, capina e roçagem de terrenos, pintura e recapeamento de vias etc., tudo visando elevar a auto-estima dos moradores da região e dar “um novo visual” ao ambiente onde eles vivem.
E sabe que isso tudo foi apenas parte do que vi? A gratidão estampada no olhar das senhorinhas que saiam da sala do cardiologista, a felicidade do velhinho por enfim realizar seu exame de vista, tão demorado quando pelo SUS, essas coisas não passíveis de serem retratadas em palavras. A emoção da mãe e da família, constituída de cindo filhos mais o marido, em ver a imagem de ultrassom do próximo membro familiar através da barriga já saliente foi, sem dúvida, algo muito especial. O corre-corre das crianças, devidamente providas de biscoito de polvilho e algodão doce, exalava uma alegria singela e contagiante.
Essa foi de longe uma das experiências mais bacanas que vivi no curso de Jornalismo. Médicos das mais diversas especialidades, dentistas, terapeutas, especialistas em estética, pessoas voluntárias, muitas delas abastadas, ajudando com a maior gentileza e simpatia a seus semelhantes, que vivem a quilômetros do centro da cidade, numa realidade totalmente diferente da deles. É bom saber que ainda há quem se importe com os outros, que ainda há quem se sensibilize com a pobreza, com a falta de oportunidades, com a desestrutura familiar. No momento, minha vida está uma verdadeira correria, não tenho feito muita coisa nesse sentido, acho que meu gesto mais altruísta tem sido doar sangue, ritual que renovo a cada dois meses. São só 410 / 430 ml, mas penso que já é um começo.
Sinto-me feliz por essa manhã de sábado, e tenho certeza de que estaria arrependido se houvesse me rendido às atrações de minha cama. Mesmo que o professor julgue ruim as fotografias em primeiro plano e plano médio, mesmo que a variação das tomadas tenha sido insuficiente ou de baixa qualidade técnica todo o conjunto, dessa vez tudo valeu a pena!

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Ei, você...


O que você acha de pararmos de ritualizar tanto os momentos que passamos juntos? Chega de planos, não quero mais combinar com dois dias de antecedência o que vamos fazer no sábado ou em que dia da semana a nossa agenda vai bater. Sei que nossos dias são cansativos e meus olhos vermelhos denunciam isso às vezes, no entanto, se realmente há interesse entre ambas as partes devemos superar isso. Se você me conhecesse um pouquinho mais saberia que não jogo palavras ao vento, entenderia que apesar de certo receio da minha parte meus enigmas são facilmente decifráveis. Mas não, parece que você não faz a menor questão de deixar tudo às claras. Estar ou não, ficar junto a mim ou não pra você é uma coisa só. Não há distinção. Desculpe, essa é, por enquanto, a única conclusão que consigo tirar desses 43 dias. Não tenho pretensão nenhuma em tocar nesse assunto novamente. Estou aqui, na minha. Decida por si só como vão ser as coisas.

domingo, 27 de setembro de 2009

Dissabores, morte e vida


Marcos era rapaz humilde, vivia com a mãe viúva e mais dois irmãos no subúrbio de uma cidade qualquer. Todos os dias era a mesma luta, Marcos acordava antes das 6h00, comia um dos pães que o dono da padaria de perto do cursinho reservava-lhe quando não eram de todo vendidos, acordava a mãe para seguir para o apartamento da patroa e os irmãos para ficarem na creche, só então tomava os dois ônibus lotados que o conduzia até o trabalho. A antiga oficina mecânica do Sr. Aluísio era para o jovem mais que um emprego, significava para ele o seu reduto diário, o lugar onde seu pai havia aprendido o ofício que hoje lhes garantia um pouco de dignidade.
Sob duras penas e a instabilidade do início da década de 80, Antônio conseguiu juntar algum dinheiro para construir a pequena casa de sala, cozinha e um quarto, o banheiro ficava na parte de fora, perto de onde atualmente fica uma torneira enferrujada e a velha lavadora tanquinho. Toninho, como era chamado pela esposa, não era homem estudado nem falava o português correto, não fazia a menor noção do que era a Emenda Dante de Oliveira que o telejornal da noite tanto falava. O que Toninho conhecia bem de perto eram as dificuldades que enfrentava para pôr comida em casa, diziam a ele que tudo estava tão caro por causa da inflação, Toninho assentia mas no fundo não sabia a quem culpar. Compreender tudo aquilo era para o pai de família apenas uma parte do mal encaixado quebra-cabeças que sua vida formava.
No fim de 1985 nasceu Marcos, um garotinho gordo, de olhos arregalados e cabelo castanho cacheado. O menino era esperto, aprendia dia rápido e falava feito criança rica, adjetivava tudo quanto podia e dizia que um dia ia conhecer Paris, Veneza e Estocolmo. A realidade era dura e as necessidades batiam à porta, sob choro e protestos da mãe Marcos deixou a escola na 8ª série para ajudar o pai na oficina. O menino era obstinado, não sabia muito bem o que esperar do futuro, mas sentia que os estudos representavam o caminho para algo muito melhor. Sem contar nada ao pai e após um ano de afastamento, Marcos matriculou-se novamente na escola do bairro.
O falante garoto havia se tornado um pequeno grande homem, trabalhava o dia todo e depois ia direto para a escola, com as unhas ainda sujas de graxa. Lucas e Matheus eram gêmeos, chegaram após arriscado parto, numa noite quente de fevereiro. A família enfim parecia respirar novos ares. No entanto, há pessoas que parecem ter nascido para desventuras, às vezes a vida parece irônica no trato com aqueles que mais precisam.
Em setembro daquele ano não se falava em outra coisa durante as aulas ou no horário do intervalo, a maior potencia do mundo encontrava-se abalada, acuada, ofendida. Mas não foram só as torres do World Trade Center que vieram abaixo, todo o concreto moral que preenchia as lacunas da vida de Marcos agora estava em ruínas, todos os alicerces, construídos com sacrifício anos a fio, haviam implodido. Numa manhã de terça-feira, dessas de céu azul, em que você acorda disposto, Antônio deixara sua marca vermelha num para-choques de ônibus. Assim como no centro de Manhattan brotara uma imensidão de escombros, o jovem Marcos estava perdido entre os entulhos da sua destruição particular.
O rapaz mais uma vez foi obrigado a amadurecer mais do que condizia com sua idade. A vida, que jamais havia sido doce, agora com brutal terrorismo intervinha nos sonhos do menino que quando criança sonhava com a utopia. Marcos, apesar do peso das responsabilidades, da lembrança e da dor, não abandonou o seu ideal de mudança.
Aos 17 anos, participou de sua primeira eleição. Pela tv Marcos via um sujeito barbudo, que assim como ele, vinha de uma história de lutas e dificuldades, de uma posição não privilegiada na sociedade. Não fora difícil decidir seu voto, apesar de tantas cicatrizes Marcos acreditava nos políticos e ainda conservava certa inocência.
Foram quase duas décadas, parece pouco tempo quando se trata de histórias de vida, mesmo assim, Marcos já passou por experiências que boa parte das pessoas morre de velhice e não vivencia. Ele continua ao lado do Sr. Aluísio na oficina, só que agora é rapaz estudado, cuida das notas fiscais de serviços, gerencia os gastos, organiza os arquivos. À noite Marcos frequenta cursinho, ganhou uma bolsa para o semi-extensivo e vai prestar o vestibular em dezembro. Apesar de novo, Marcos já sabe que inúmeras vezes as circunstâncias se mostram desfavoráveis e a vida, incoerente. Mas sabe também que sim, é possível, mesmo que por meio de esforços inacreditáveis, escrever uma história diferente, algo bom, para se ter orgulho. Ano que vem Marcos completa 20 anos, e pretende celebrar esta data junto de seus futuros colegas de faculdade. Alguém duvida que ele chegue lá?

terça-feira, 15 de setembro de 2009

Sem você não dá


Se eu alcançasse pelo menos metade de todo o potencial que você vê em mim não haveria lugar para o medo em meu peito. Eu simplesmente não temeria o por vir ou ficaria tão inseguro quanto ao meu (in)sucesso.

Se eu tivesse a força que você pensa que tenho eu juro que colocaria tudo em ordem outra vez. Em teu rosto eu desenharia um sorriso matinal e ele contrariaria quaisquer circunstâncias.

Se eu realmente fosse falante e agitado como você julga eu não mais encontraria os teus olhos perdidos nem fugiria deles impotente. Às vezes perece-me tão difícil encontrar palavras para você, talvez por isso eu falhe em trazer-te confiança ou paz.

Você que sempre foi destemida, você que abraçava o mundo com tanta facilidade, de repente, como numa tremenda incoerência de script, encontra-se abalada e frágil, a ponto de me fazer pensar em como seria tudo isso sem sua companhia. Devo confessar que só em imaginar essa situação sinto um nó na garganta, aquela estranha sensação que descompassa nossa voz e sempre vem acompanhada de lágrimas.

Nesse momento, tudo o que eu mais quero é que você se restabeleça, para o quanto antes eu voltar a ouvir seu canto desafinado e meio sem ritmo.


Àquela que me ensinou o que é e como é a vida.

domingo, 13 de setembro de 2009

Poderia ser, mas não é.


Seria simples continuar caminhando se as pedras do caminho não houvessem ensinado a dor dos calos.
Seria fácil o desapego se o telefone não insistisse em tocar, ou se as noites trouxessem consigo apenas o sono.
Seria prazeroso ouvir as mesmas músicas se os versos não fizessem assim tanto sentido.
Seria divertido rir de uma última piada obscena, a menos que nossas vidas não fizessem parte de um livreto de humor grotesco.
Poderia ser simples, fácil, prazeroso, divertido, mas nada há entre nós que sequer beire esse estado de coisas. E tudo isso porque eu sou como sou, você é simplesmente você, e a vida, ela jamais altera as regras do jogo.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

To carry on...


Parece que após longo período de férias as coisas finalmente vêm entrando no pique costumeiro. O meu período de pausa fora bastante proveitoso, talvez se dê a isso a dificuldade que enfrentei para me livrar da indisposição que me acometia. Longe das obrigações próprias da academia, conheci novas canções, atentei para detalhes de timbres e entonações, coloquei para rodar alguns dvd’s que já há algum tempo mantinha em meu guarda-roupa, apreciei boa literatura e até me permiti conhecer de perto histórias de vampiros de um aclamado best-seller juvenil. Rever alguns bons amigos, aproveitar um happy-hour após o escritório e sair à noite, sem ter em mente as proposições sem sentido da “Lógica” em filosofia ou os conceitos weberianos presentes num longa-metragem nacional foi, sem dúvida, bastante prazeroso. Todavia, o ano letivo, que se estenderá até dezembro deste ano ou janeiro próximo, promete ser puxado, e é bom que eu entre em harmonia com toda essa correria o quanto antes.
Estou tentando ajustar alguns detalhes em minha vida, dizer o que precisa ser dito, ouvir mais que o normal, tentar e se preciso for, insistir um bocado. Há alguns dias atrás, no ápice de pensamentos aleatórios, soltei um comentário pessimista acerca de mim mesmo. A resposta veio na hora, e por parte de um cara que, na maioria das vezes, só sabe fantasiar. Ele disse que “não é necessário subir num carro alegórico para se fazer notar”, também confessou que por vezes só faltou “pendurar uma melancia na cabeça e escrever azeitona” para chamar a atenção de determinada pessoa. Acho que ele foi sábio em seu comentário, suas palavras vieram a calhar. Pelo menos por enquanto, não vou esperar dos outros mais do que eles realmente estão dispostos a me oferecer, não vou traçar longos caminhos nem forçar barras. No momento, quero ter o deleite do instantâneo e, no corre-corre da minha rotina, encontrar a beleza que há entre o habitual e o incomum.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Vem comigo?


Você se surpreenderia se eu te fizesse uma proposta absurda? Tão indecorosa quanto gargalhadas em meio ao caos? Você estranharia se eu dissesse que já não tenho a mesma vontade de perseguir velhos sonhos? Você condenaria a minha inconsequência se eu resolvesse parar com tudo isso? É que estou cansado, sinto que meus pés vacilam e que a mente anela por novos ares.
Não sei você se entregaria a tal loucura, mesmo assim insisto na pergunta. Vem comigo? O lugar exato ainda é desconhecido, e o que faremos quando chegarmos lá quem vai decidir é o acaso. A única coisa de que tenho certeza é que não quero prazo para voltar ou preocupações que importunem minha mente. Pense em como seria fantástico! Sumiríamos bem cedinho, antes mesmo de o Sol raiar. Aos nossos queridos, diríamos apenas que decidimos dar um tempo, explicaríamos que os nossos celulares permaneceriam desligados, mas que ficaríamos bem.
Pelo caminho, observaríamos as montanhas e os olhares daqueles que habitam os vilarejos que circundam as auto-estradas. Isso é tão estimulante para você como é para mim? Ah, só em pensar que nossos credores encontrariam a casa vazia quando viessem nos procurar... Que ligariam repetidas vezes e em vão deixariam mensagens na secretária eletrônica... Sinto-me envolto num lampejo da mais perfeita paz só em me imaginar adormecendo e acordando ao seu lado. Enquanto estivéssemos lá o tempo escorreria por nossos dedos, e nós, é claro, não atentaríamos para qualquer coisa desse tipo, já que seríamos o bastante um para o outro.
Depois que estivéssemos refeitos, cheios da perspicácia necessária para enfrentar a insanidade que há por aqui, nós arrumaríamos nossas malas e compraríamos um simpático souvenir. Só então, já com a saudade característica dos dias belos, retornaríamos às nossas atividades habituais. No entanto, faríamos um juramento, eu prometeria que a essa fuga seria repetida sempre que preciso fosse, e você, aceitaria me acompanhar por onde quer que eu fosse.

“E como farei ginástica

Andarei de bicicleta

Montarei em burro brabo

Subirei no pau-de-sebo

Tomarei banhos de mar!

E quando estiver cansado

Deito na beira do rio

Mando chamar a mãe-d'água

Pra me contar as histórias

Que no tempo de eu menino

Rosa vinha me contar

Vou-me embora pra Pasárgada”

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Eu? Incógnita.


Para muita gente falar de si mesmo não é tarefa fácil. Alguns são ótimos em análises psicológicas alheias, mas esmorecem quando se trata de reconhecer os próprios defeitos ou simplesmente fazer uma breve leitura do seu ser. Definitivamente, eu não sou desses. Ao contrário, às vezes despendo tanta atenção explorando o que me faz mal ou superestiamando os meus complexos que vez ou outra ouço: “credo, cadê sua auto-estima?”.
Não, esse não será mais um texto em que eu abordarei minhas desventuras, lembrarei com carinho e saudade as coisas passadas ou traduzirei meu estado de espírito. Por hoje está de bom tamanho uma reflexão introspectiva acerca de mim mesmo.
Àqueles que não me conhecem, apresento-me, Danylo, 19 anos. Dispenso mais descrições, mesmo assim, vale salientar, não sou o tipo de cara que por onde passa monopoliza as atenções femininas. Não cultivo um corpo atlético e muito menos sou um desportista, apesar de eu já ter me aventurado em bater uma bolinha e terminar de maneira digna uma partida de voleibol. As pessoas dizem que sou desengonçado, que não me veem desenvolvendo uma atividade física sem arrancar risos de quem está por perto. Acho que elas me convenceram disso e em parte estão certas, ultimamente tenho sido um perfeito sedentário.
Nota-se em mim uma ansiedade que às vezes chega a ser exacerbada. Eu bem que tento dosá-la da melhor maneira possível, mas nem sempre obtenho êxito. Esse, inclusive, foi um dos motivos pelos quais fui parar na terapia quando pré-adolescente. Não poderia deixar de mencionar a minha capacidade de dramatização, é claro que faço uso dessa habilidade em junção com o humor. “-Fulana está enjoada. -Ih, deve estar grávida!”. “-Acho que não vou te ver amanhã. – Está me evitando, certeza!”. :D
Trabalho 220 horas mensais com algo que não tem nada a ver com minha área de formação. Isso por algumas centenas de reias que no fim do mês eximem minha família de gastar ainda mais com a minha existência (dessa vez não estou dramatizando!). Não escrevo tão bem quanto a maioria dos alunos da minha sala e estudo sempre nas vésperas de provas. No primeiro semestre me rendi ao sono em plena aula pelo menos duas vezes, talvez por conta disso eu também não tire as melhores notas. Ah! Só para mencionar, eu não tenho a mínima ideia de qual linha jornalística desejo seguir. Todavia, estou sossegado quanto a isso, já que conheço alunos do segundo e terceiro ano que ainda carregam dúvida similar.
Há quem me julgue alguém sem sal nem açucar, uma passoa previsível. Há quem me ache engraçado e valorize o fato de eu curtir um acalorado debate. Uns dizem que sou implicante e volta e meia possessivo. Outros me consideram um bom amigo, companhia para todas as horas. Não corresponder a certas projeções pode ser decepcionante, mas juízos de valores pouco importam. Todos sabemos que é no recôndito de nosso ser onde fica guardado o melhor de nossa essência. O que destilamos para aqueles que estão à nossa volta é apenas parte do que realmente somos.
As incertezas são muitas e constantes, a insegurança acerca do futuro é recorrente. Mas o fato de eu ter o tímido vislumbre de quem quero ser e onde quero chegar já um bom indicativo de que estou no caminho certo.

sábado, 22 de agosto de 2009

Você


Você é como um poço de dualidades. Ao passo que, vez ou outra demonstre docilidade e complacência, na maior parte do tempo a resposta aos eventuais questionamentos estão sempre à boca. Todas as suas ideias e conceitos parecem estar totalmente formulados, apenas esperando o momento oportuno de vir à tona. E quando é para colocar as cartas na mesa, você simplesmente o faz de forma transparente. Não que isso não abra margem à dúvidas, porque, às vezes, decifrar o que se passa em sua cabeça parece ser tarefa homérica. Você é tão decidida e segura se si, é como uma Rosa Parks dos anos dois mil, e não há ninguém que a convença de que o seu ideal não é importante o bastante. Com toda a beleza de que dispõe, você apenas ignora aqueles que, tolamente, julgam amorfos os seus pensamentos ou antiquados os seus princípios. Te observar e entender é como apreciar o resultado do árduo trabalho de um pintor expressionista, embora explícitas algumas características, há sempre uma reflexão individual e subjetiva acerca do seu ser.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

A ligação, o encontro


Nino custava a acreditar, estava novamente falando com aquela que há um tempo atrás preenchera sua mente com as mais belas fantasias e o fizera projetar experiências memoráveis a dois. Não que algum dia eles tivessem se afastado por completo, mas dessa vez era diferente.
A conversa fluia com a mesma naturalidade de um ano atrás, a mesma simplicidade que o havia levado a desbravar o terreno incerto de sentimentos que nem mesmo ele sabia nomear. Alice continuava a mesma, não havia nenhum sinal de alteração em sua meiguice e cortesia. O papo durou horas, ainda que pelo telefone, não houve quaisquer impecilhos para que os dois falassem sobre o trivial, contassem seus novos planos e marcassem de se ver. Apesar de cansado e preocupado com algumas pendências no escritório, Nino sentia-se leve, aquele telefonema o fizera dormir em paz.
O encontro não seria noturno, era melhor que a calmaria e a moderação da hora do almoço evidenciassem apenas o necessário, delineassem os fatores que poderiam os levar a uma possível negociação. Nino não se lembrava de como aquela mulher era formosa. Havia meses que ele não sentia o seu perfume ou observava calado aqueles trejeitos tão sutis. O rapaz já nem recordava que Alice usava piercing no nariz. Aquela peça reluzente realçava ainda mais o seu ar de menina, ao passo que seus olhos claros continuavam a ostentar a determinação que tanto o encantava.
Devido ao horário e as tarefas a cumprir, o almoço fora breve e o colóquio casual. Nino não esperava grande coisa daquele encontro, embora estivesse contente com o momento preferiu não se expressar de forma que a constrangesse, escolheu não se precipitar como outrora havia feito. De fato, os dois não falaram sobre sua vida em comum, não tocaram em assuntos passados e tampouco estabeleceram como haveria de ser dalí para frente. Ainda assim as coisas sucederam-se de forma bastante agradável, o que Nino julgava ser impossível após os desentendimentos que os haviam tirado de perto.
Naquela tarde o rapaz não conseguiu mais trabalhar, a todo momento parecia escutar o “R” acentuado que Alice levava à voz, tão diferente do som do seu “R” de paranaense interiorano. Por vezes ele caçoava dela por falar como paulistana, enquanto, aos risos, forçava o “R” ao dizer “alaRme”, “poRta”, “poRque”. Nino inventou ao chefe uma disculpa qualquer e pediu licença para passar o resto da tarde em casa. Estava chovendo e fazia frio, e até isso o fazia pensar nela, lhe trazia à memória as noites de inverno em que eles passavam um tempão falando sobre o cotidiano. Já em casa, o rapaz deitou-se confortavelmente em sua cama, acabou adormecendo. Não houve trégua mesmo assim, em seus sonhos Alice aparecia serena e sorridente, tão feliz quanto as cores do cachecol multicolorido que ela usava no dia em que o conhecera.

domingo, 16 de agosto de 2009

Depois que a noite terminou


Depois de todas aquelas horas, quando enfim o Sol entrou por entre a cortina mal fechada, levantei-me, apanhei minhas roupas espalhadas pelo chão e evitei ao máximo fazer barulho. Ela estava lá, nua e inerte sob o lençol de seda preta. O carimbo de meus dentes em seus ombros e a garrafa de vinho tinto abandonada junto à parede denunciavam detalhes de algo que não deveria ter acontecido. Não daquela forma, não depois de toda a estranheza percebida em seus olhares e gestos nos momentos que antecederam nossos desatinos.
Enquanto me vestia procurei não olhá-la novamente. A sobriedade matinal, acrescida à razão que ainda me restava insistiam em questionar o por que daquela noite. Por um momento eu tentei me auto-justificar, explicar para mim mesmo que não fora de todo um erro eu ter aceitado o seu convite para entrar, beber alguma coisa e conversar um pouco. Mas não havia uma explicação coerente.
Ora, já havíamos conversado. Ou melhor, ficamos um bom tempo juntos e nenhum papo bacana tinha vindo à tona. Nada que tivesse funcionado como prefácio para uma noite a dois. Laura estava distante, parecia constrangida, receosa. Durante aquelas horas falamos sobre o trivial, como amigos que não se viam há alguns meses e não sabiam como quebrar os protocolos, passar à intimidade costumeira. Mesmo assim eu entrei, e foi dessa forma que tudo aconteceu. Cada um fez o que deveria, experimentou as devidas sensações e ponto. Nossos corpos se entenderam, houve o deleite habitual. Entretanto, agora que o dia amanhecia, pude sentir que tudo não passara de um intenso ritual de volúpia, despojado do carinho ou da interação de outrora.
O que lhe preocupava, lhe tirava a paz e a naturalidade eu desconhecia. Laura, por sua vez, preferiu fingir não havia nada errado. Acho que o vazio no pequeno apartamento e a solidão em sua cama quando ela despertar deve dizer alguma coisa. Calcei os meus sapatos, guardei no bolso a chave do carro e lavei o rosto. Abri a porta cautelosamente e saí, deixei o banho e o café forte para tomar em casa. Talvez Laura telefone quando se acertar, antes disso ficarei na minha, não quero repetir o erro de ter junto a mim o seu corpo enquanto sua alma voa longe. Se não é por completo, a metade eu também não quero.

sábado, 15 de agosto de 2009

"Repeat" Compulsório


Há tempos que me sinto assim, cansado e um tanto incomodado com toda essa mesmice. Já ouvi dizer que toda rotina tem sua beleza, não sei, por mais que eu tente e me esforce para tanto não consigo enxergar graça na minha. A impressão que fica é a de que os meus dias se desenrolam e fluem como as águas de um extenso riacho de mediocridade.
Logo logo, um ou outro que se der ao trabalho de ler esse texto virá até mim dizer que eu não consigo escrever sobre coisas alegres, que eu pareço cultivar uma paixão recolhida pelo funesto, pelo pungente. E eu, mais uma vez vou dizer que isso não é verdade. Posso escrever sobre tudo o que me for solicitado, no entanto, há que se levar em consideração que no momento isso é tudo que me ocorre.
Não estou vivendo nenhum tipo de desgraça, não estou sendo vítima de coação, tampouco ando depressivo. Estou bem. Mas, sabe quando lá no fundo percebe-se que a estagnação vem corroendo aos poucos? Quando a cada dia a estabilidade lhe sorri dizendo: “Sou tão feliz por tê-lo ao meu lado!”... Ok, a companhia que ela me faz não é de todo ruim, até admito que me agrada um pouco. O problema é que a nossa união vem perdurando, isso cansa às vezes.
Refletir acerca disso é algo que cabe só a mim, tornar público o laudo dessas viagens é apenas consequência. A excitação e o contentamento a gente vive, compartilha. O marasmo e a insatisfação a gente pode até comentar com os mais chegados, porém, pensar e agir no sentido de transpor tal situação é tarefa individual, na maioria das vezes. Agradeço aos amigos de sempre, aos bons e velhos e aos novos também. Continuo dando o devido valor a tudo aquilo que para mim vocês representam, mas por hoje quero ficar só. Quero conversar com meus botões e vasculhar toda essa falsa complexidade, mas por pouco tempo, espero.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

Memoráveis detalhes


E de repente bateu aquela nostalgia, sabe? Não sei explicar ao certo, mas de uma hora para a outra foi como se me viesse uma estranha vontade de voltar atrás. Retornar aos anos em que preocupações quanto ao futuro não habitavam minha mente, voltar no tempo, para a época em que tudo era simples e a realidade não passava de uma conhecida distante.
Vira e mexe recordo as pessoas e as situações vividas outrora, me agrada cultivar certo saudosismo, apesar de minha mãe sempre dizer que “relembrar o passado é sofrer duas vezes”. Não concordo com essa afirmação. Para mim, trazer à memória coisas passadas é como assistir a um filme novamente. Simples assim, rir novamente das cenas engraçadas, torcer de novo para os casais ficarem juntos, perceber um detalhe ou outro que à primeira vista passou despercebido, cantar e dançar novamente ao som daquela trilha sonora bacana, e, se for o caso, chorar outra vez. A memória nos permite, em cada época de nossa vida, observar com novos olhares os caminhos já percorridos, dar novas interpretações àquilo que antigamente julgávamos prejudicial ou imprescindível.
É claro, existem lembranças que são como doenças mal saradas, parecem ter ido embora, no entanto, sob determinada conjuntura, voltam à tona trazendo dor ou despertando sentimentos negativos. Apesar disso, não abro mão de minhas memórias, acho que não as trocaria por nada, penso que elas foram essenciais na construção da minha personalidade.
Hoje senti tanta saudade, por um momento desejei ter outra vez comigo as velhas companhias, ter por perto a beleza dos velhos sorrisos e o conforto dos abraços que ainda insistem em resistir ao tempo. Embora ele seja tão implacável, sou grato ao senhor tempo por ele ter esquecido de me fazer esquecer simples porém preciosos detalhes.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

Tímida, mas importuna apreensão


Pelo visto a mais nova “peste globalizada” chegou mesmo a Londrina. Até pouco tempo atrás não passava de uma mazela distante, que assolava os países da América do Norte e da Europa, hoje, essa é uma realidade presente. De fato, este é o assunto mais recorrente nas rodas de amigos, entre os passageiros dos ônibus, os idosos nas praças. As várias pessoas usando máscaras ao andar pelo calçadão, os cerca de 300 atendimentos diários de casos suspeitos no Pronto Atendimento Municipal só ratificaram, o medo começou a rondar a cidade.
Medidas visando conter a disseminação do vírus foram tomadas em todo o Brasil, por aqui não foi diferente, escolas municipais, a rede estadual e particular de ensino, a UEL e as demais universidades e faculdades suspenderam suas atividades. Não que eu esteja desmerecendo ou questionando a eficácia de tais ações, mas os shoppings continuam lotados, os coletivos (e eu digo por experiência própria) seguem pingando gente! Será que não restou nenhuma proposta a ser aplicada nesses casos? Não estou defendendo que todos fiquem trancados em suas casas, que as pessoas deixem de se abraçar ou beijar ou que se instaure uma grande paranóia, no entanto, é fácil compreender que esses locais representam perigo de contágio tanto quanto as instituições de ensino.
Chega a ser engraçado, instalou-se entre a população um incômodo receio em relação àqueles que, mesmo de longe, espirram, tossem ou levam um lenço de papel ao nariz. Semana passada não pude evitar de sentir uma pontinha de raiva de uma senhorinha que sentou-se perto de mim no ônbus, a infeliz tossia repetidas vezes, e sem ao menos pôr a mão na boca! É, nem todos estão a par ou são sensíveis ao que está acontecendo, e nem todos aprenderam quando pequenos que esse tipo de coisa é falta de educação.
Só sei que essa pandemia vem dando o que falar, eu não nego, também sinto certo temor. Temor em saber que isso agrava ainda mais a situação da já debilitada saúde pública brasileira, temor ao assistir casos tão tristes de pessoas jovens morrendo e famílias sendo desfeitas. Mas fatalidades acontecem, essa não foi a primeira, e creio que nem será a última doença de proporções globais a acometer o homem. Torçamos para que tudo entre nos eixos novamente, para que os danos sejam os mínimos possíveis e para que não sejamos as próximas vítimas. Eu, hein! =O

sábado, 1 de agosto de 2009

Carta a um irmão amigo, ou o inverso.


Amanhã, dia dois de agosto, é um dia especial, é seu aniversário. Você está tão longe, não poderei sequer dar-te um abraço, mas espero que essas singelas palavras sejam capazes de traduzir o quanto o estimo e faço votos de que sejas feliz.
Há exatos 30 anos você nascia, num ambiente familiar instável e conturbado você cresceu. Desde muito pequeno sabia que a vida não era como nos desenhos animados, prematuramente aprendeu o valor e a importância do trabalho. Eu, é claro, conheço essa realidade apenas por relatos, mesmo assim, sei que não foi fácil para você nem para ninguém.
Os tempos mudaram, a sua vida também mudou. Lembro-me das várias vezes em que fora à porta do colégio resolver minhas pequenas encrencas, era bacana saber que eu tinha com quem contar. Histórias e mais histórias, isso você tinha aos punhados, desde travessuras extremamente elaboradas como bombinhas presas nas caldas dos gatos até as mais inusitadas narrações sobre a sua paixão por motocicletas. A propósito, confesso que foi em sua companhia que vivi momentos de terror sobre duas rodas, de carro não era muito diferente, engraçado como você era afeiçoado por cavalos-de-pau (haha), eu é que nunca gostei de viver perigosamente.
Você, como todo mundo, teve seus deslizes, mas não cabe a mim julgar suas falhas ou ilicitudes. O que eu quero hoje é dizer que não importam as nossas divergências, nem a diferença de idade ou o nosso modo particular de enxergar o mundo. O que nos une é muito mais que o laço materno, creio que além de respeito e afeto, hoje há admiração e cumplicidade nesse conjunto. Sei que você tem passado por um tempo difícil, permanecer afastado daqueles que lhe querem bem é tarefa para poucos, apesar de tantos entraves você tem se saído bem em mais esse desafio. Saiba que me orgulho muito de você e não vejo a hora de as coisas estarem nos conformes novamente. Estamos distantes milhares de quiômetros, no entanto, não há distância capaz de apagar o carinho ou dissipar a energia positiva vinda daqueles que conosco se preocupam. Amanhã será um dia de festa, não quero saber de outra notícia senão a de que esse pequeno apartamento catalão se transformou numa bela farra, tal qual a que faremos para celebrar o seu retorno.
Feliz aniversário!

quarta-feira, 29 de julho de 2009

E para hoje temos... Paz e decontração!


Hoje, enfim, depois de quase uma semana de chuvas e dias acinzentados, o Sol voltou a dar o ar da graça em Londrina. Não que tenha sido aquele dia lindo, que te inspira a andar de bicicleta ou a caminhar no parque, mesmo assim foi bom poder deixar o guarda-chuva em casa e voltar da rua tendo secas as barras da calça.
É, acho que posso dizer que o Sol também me trouxe alívio, já que o dia anterior fora marcado por uma tremenda desmotivação. Depois de uma conversa, ainda que virtual, com um bom amigo, tomei coragem e tirei do pedestal aqueles recorrentes choramingos. Por mais que eu venha me empenhando em tentar viver um dia após o outro, sem dar grande relevância a pequenos problemas e buscando ser mais flexível que o de costume, nem sempre manter a cabeça fria é tarefa fácil. Mas digo sem receio que, hoje, assim como pôde-se ver no alto um tímido céu azul, me dei conta de alguns sinais que estavam passando despercebidos. Finalmente há indícios de bons tempos a caminho. Sim! Se você, caro e talvez inexistente leitor, fosse como eu, uma pessoa extremamente ansiosa e que está em busca da aguardada CNH desde janeiro, eu disse janeiro, compreenderia perfeitamente que não faço uso de exagero! Em breve acontecem os meus exames finais, eu sei que até lá existem várias possibilidades de oscilações de humor e níveis de nervosismo, no entanto, é confortante saber que logo estarei livre de mais esse fardo.
Logo mais também reiniciam-se as aulas, não que eu esteja com muita saudade, mas confesso que durante essas merecidas férias senti falta de alguns personagens, de toda aquela vida corrida e de alguns pratos do R.U. Pouco a pouco tudo vai retornando ao seu devido lugar. A lição de hoje foi que sempre será possível enxergar as coisas de um ângulo diferente, o desafio para os dias seguintes é lançar isso à práxis, assobiar e chupar cana ao mesmo tempo! Hahaha, valeu a tentativa de comicidade! Não? :D

segunda-feira, 27 de julho de 2009

Desventuras de uma vida vã


Naquela noite fria e chuvosa Bernardo abriu a janela de seu quarto, como se aquele gesto realmente pudesse o libertar da prisão em que havia se tornado sua vida. A chuva tinha dado trégua, o que fez Bernardo fechar a veneziana e retornar ao calor de sua cama foi a brisa fria, um incômodo vento que parecia lhe penetrar a pele até o mais recôndito do ser. O vento que adentrara o recinto trouxe à mente lembranças de um passado não muito distante, detalhes cheios de significado, feridas mal cuidadas que lhe causavam dor.
Dessa vez ele estava sozinho, já não havia o singelo e acolhedor olhar da mãe idosa, velhinha que mesmo doente não mediu esforços para fazer a última visita ao filho na capital. Amanda, sua primeira e única amada, também já não se fazia presente. Não quisera ser cúmplice daquele lento suicídio, voltou para o interior, lugar do qual jamais deveria ter se afastado. Dentre todos os resquícios de sua antiga vida feliz, o que sem dúvida dilacerava o coração e a consciência de Bernardo era a falta que fazia seu filho. Desde o dia em que a mãe o levou embora consigo os cômodos da residência não passavam de meros espaços sem vida. Já não se ouvia o som dos passos do garoto brincando pelo pequeno apartamento. Não escutava-se risos, nem mesmo aquele choro que esbanjava saúde e energia. Tudo o que o homem encontrava ao sair de seus aposentos era a casa vazia e sem cor, vítima involuntária da morbidez em que havia se transformado sua existência.
Mas ele sabia que suas escolhas passadas o haviam conduzido àquela situação, também tinha conhecimento quanto ao que era necessário para que as coisas começassem a se restabelecer. Mesmo assim, já não restavam forças, Bernardo estava entregue, seu maior arrependimento era ter abandonado a cidadezinha onde havia sido criado. Levado pela esperança de alcançar uma boa formação e um emprego bacana, ele deixou sua velha mãe. Ao lado da então namorada, Bernardo obteve muito sucesso, posteriormente veio o casamento e o nascimento de sua mais preciosa jóia. Fascinado pelo dinheiro e pelo aparente reconhecimento, Bernardo fez da empresa em que trabalhava o seu mundo particular. Saía de casa antes das 9:00 h e só retornava quando esposa e filho já estavam dormindo. Em pouco tempo tudo aquilo se tornou insustentável, Amanda tomou sua decisão, Bernardo também, apesar de agora aquilo lhe causar incomparável dor. Só então ele enxergava o quanto havia sido egoísta, lamentava que as palavras não tivessem volta e que algumas escolhas determinassem de forma irremediável o curso das coisas.
Exausto pelas infindáveis noites sem dormir Bernardo levanta, abre novamente a janela, já está amanhecendo. É hora de enganar seu organismo, fingir que está tudo bem e que sua mente está sã o suficiente para encarar mais um dia na metrópole. Não há justificativa para que ele não quebre de uma vez por todas aquelas correntes invisíveis, aquele ciclo doentio, a não ser a de que ele está cansado de mais para arquitetar um recomeço, esboçar uma reação. Lá se vai outro dia na vida de mais um desafortunado, que heroicamente persiste em suportar o insuportável, esquecer as latentes mas dolorosas chagas, dar sequência àquilo que diariamente lhe rouba a vida.

sábado, 25 de julho de 2009

Imprevisto e reflexão na manhã chuvosa



Há alguns dias atrás uma cena marcou profundamente aquela que era para ser apenas mais uma manhã cotidiana. Era bem cedo, antes das sete da manhã, o dia estava cinzento e havia muita neblina. Eu seguia para a auto escola numa via rápida ainda na região onde moro, para mais um capítulo da minha cruzada pela carteira de motorista. Apesar da pouca visibilidade, percebi que que um pouco mais afrente estavam paradas algumas viaturas da polícia e também uma ambulância. Comecei a imaginar o que teria acontecido, o que eu não esperava era logo dar de cara com um corpo já sem vida. Fiquei um tanto impressionado, por um momento tentei imaginar como era a vida daquela pessoa e de seus familiares até aquela trágica manhã. Posteriormente tomei conhecimento de que a vítima era um rapaz, vinte e poucos anos, soube também que ele era morador do meu bairro e tinha saído com pressa de casa, atrasado para o trabalho. Talvez naquele acidente ninguém tenha sido culpado, talvez tenha sido apenas mais uma ironia do destino. Imagina, você sai para trabalhar e não chega à metade do caminho, deixa de beijar sua mãe, esposa ou filhos para acabar atirado no asfalto molhado, reduzido e vulgarizado àquela lona preta, morto, atrapalhando o trânsito e chamando a atenção de curiosos. Você sai para cumprir com seus deveres, quando na verdade, tudo o que você deveria ter feito era ter aproveitado aqueles que seriam os seus últimos minutos.
Vou falar a verdade, na minha opinião a morte não faz sentido algum, mais do que isso, em certas ocasiões morrer chega a ser ridículo! Se você já viveu todos os sucessos e desventuras que lhes eram reservados, tudo bem. Você percorreu o seu caminho, algum dia as coisas teriam de acabar, é assim que funciona. Mas se você é jovem, tem saúde e uma vida estável, é certo admitir tamanha tolice? Me diz, faz sentido morrer sem ter ido às mais loucas festas na companhia de seus amigos prediletos? Tem coerência deixar de viver sem ter tomado o porre do qual você jamais se esqueceria? Ir embora sem ter tirado aquele retrato de formatura ao lado do bando de insanos que te acompanharam por quatro ou cinco anos e que fizeram deste tempo os anos mais felizes de sua vida? Partir sem ter beijado ou ao menos dito àquela garota especial o quanto ela te enlouquecia? Deixar este mundo sem ter lutado e até conquistado a vaga no emprego dos sonhos? Não. Por mais que eu tente não questionar e saiba que não cabe a mim nem mesmo tentar enteder a ordem lógica das coisas acho que nada vai mudar a hostilidade que sinto em relação à morte. Talvez compreender as facetas e os motivos que levam essa dama a interferir de forma tão brusca na vida das pessoas seja algo que transcenda a razão e o espírito humano.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Reinstalar o sistema?


Há algum tempo meu computador vinha apresentanto problemas, executava e finalizava aplicativos sem nenhum tipo de comando da minha parte, parecia estar sobrecarregado. Nem mesmo os vários antivírus que usei amenizaram essa situação. Eu não queria encaminhá-lo ao técnico, me esforcei ao máximo para evitar uma formatação. Apagar os dados, programas de todos os tipos, minhas canções prediletas, toda aquela infinidade de fotos? Não! Eu não queria uma máquina nova, livre de todos os meus vestígios, minha vontade era sanar os erros do sistema mas conservar as peculiaridades que faziam daquele aparelho o meu computador pessoal.
É, não tive escapatória! No momento, digito essas palavras num editor de textos de um computador completamente novo. Não físicamente, é claro, digo novo porque até mesmo o sistema operacional foi trocado. Segundo o técnico, por um mais moderno, mais eficiente, que dispõe de um ambiente gráfico mais bonito. Aparentemente tudo isso é verdade, mas acho que o meu aval definitivo virá com o tempo. Por sorte existem os backups, assim foi possível reimplantar meus arquivos particulares. Posso parecer antiquado ou demasiadamente apegado a pequenos detalhes, mas o fato é que eu não gosto de mudanças repentinas. O novo realmente pode ser bom, no entanto, penso que seria mais fácil se algumas coisas acontecessem de forma gradativa.
Tudo isso me fez pensar em nós, "máquinas humanas". Já pensou se pudéssemos simplesmente apagar de nosso HD os arquivos defeituosos? Ou isolar os resquícios das más recordações, das mágoas, das experiências malsucedidas, tudo com a mesma facilidade com que os antivírus colocam sob quarentena os aplicativos nocivos? Reinstalar o sistema, recomeçar do zero. Fazer um backup de todos os bons sentimentos, de todas as sensações experimentadas ao lado de pessoas especiais e se desfazer do indesejado, deletar definitivamente tudo aquilo que nos esgota a memória e a capacidade de processamento. Seria no mínimo interessante, para muitas pessoas uma possibilidade tentadora. Como já disse, sou um pouco antiquado, apagar os estigmas que o tempo deixa em nossas vidas seria, ao meu ver, o mesmo que sermos despojados da capacidade cumulativa, algo essencialmente humano. Haveria graça em arriscar, se aventurar, existiria satisfação em viver se tudo o que porventura nos afligisse pudesse ser facilmente descartado? Penso que não, felizmente somos máquinas mais complexas que os computadores. Prefiro manter minha configuração inicial!

terça-feira, 21 de julho de 2009

Vou levando


Parece que as coisas não estão indo muito bem por aqui. Os últimos dias não me acrescentaram em nada, ao contrário, saquearam parte considerável da minha semi-paz.
É horrível ter a sensação de estar de pés e mão atados, acho que me sinto assim nesse momento. Pensamentos, desejos e frustrações se confundem. Sinto-me cansado e indisposto, como se tivesse percorrido um longo caminho ou carregado grande fardo. Não que tudo esteja completamente fora do lugar ou tomado proporções desorientadoras, no entanto, tenho a estranha sensação de que para reorganizar todas essas coisas vou precisar de tempo e muita paciência. Não sei se disponho disso atualmente. Uma coisa é certa, preciso de uma injeção de ânimo, algo que me tire dessa incômoda estagnação. Já me disseram que bom humor ajuda em quase todas as situações, só que ainda não processei essa informação, ou melhor, não consegui aplicar isso ao meu dia-a-dia. Penso que bom humor implica em uma série de outros fatores, não é simplesmente um instrumento de defesa ou auto-ajuda.
Pelo menos por hoje eu vou ficar na minha, observar à distância, deixar as águas rolarem. Vou tentar compreender e não vou reclamar tanto. Logo retorno à minha rotina e aos personagens que têm feito dela algo suportável e posso até dizer, interessante.

domingo, 19 de julho de 2009

Pretérito ainda presente...


Se eu tivesse a chance de estar contigo pelo menos mais uma vez...

Acho que boa porte dos meus sentimentos seriam diferentes. Ah! Teria tantas palavras a dizer. Lamento por só tê-las agora que já não te tenho por perto. Se eu tivesse a oportunidade desse momento diria a ti como sou grato por tudo o que para mim você representou. Diria que valeu a pena cada momento que passamos juntos. Te abraçaria bem forte e diria o quanto eu te amo e sinto a sua falta.

Você se foi. Com um “até logo” você se despediu, e nunca mais voltou. Sereno, tranquilo, com uma expressão que guardo até hoje em minha memória. Você simplesmente foi. Deixou a realidade que te cercava, sempre tão dura, sempre tão imponente. Abandonou sonhos e planos pela metade, como se já não fizesse sentido lutar por eles, como se eles não se comparassem com a grandeza do que te aguardava.

Tudo sempre estava ótimo para mim, eu era apenas uma criança. Mas de repente tudo mudou. A beleza e a inocência da infância me deixaram. Depois que você partiu nunca mais fui o mesmo. Você era o meu modelo, você era a minha segurança, você era o meu referencial. Me senti tão perdido quando me vi sem você.

Mas nada disso importa mais. Tudo o que um dia fomos um para o outro continua imutável, guardado em algum lugar entro de mim. O tempo passa, nos acostumamos com situações. Hoje, permanece em minha memória a nossa última conversa, o seu último sorriso. Você adorava me fazer rir, sempre cedia aos meus caprichos com um brilho magnífico no olhar. A sua gargalhada me deixava curioso. Por que sua barriga chacoalhava tanto quando ria? Lembra da luta que era pra arrancar os meus dentes quando eles começavam a amolecer? Você sempre me fazia sentir tão seguro, dizia que não iria doer, que aquilo era necessário para que nascessem dentes mais bonitos e saudáveis.

Como o tempo passa, não é? E ainda assim você visita os meus sonhos de vez em quando. Como se quisesse demonstrar que mesmo distante ainda pensa em mim. Mudei tanto desde a última vez que nos vimos. Ah! Você estaria orgulhoso de mim. Já faz algum tempo que você me matriculou na escolinha municipal lá perto de casa, de lá para cá tive de seguir sem a sua atenção, sem o seu incentivo, mas as coisas se encaminharam. Ingressei numa boa universidade, num curso bacana. A sua paixão por fotografia me ajudaria muito nas aulas de fotojornalismo. Você nem imagina o quanto aquelas câmeras antiquadas me remetem à sua maneira, aos seus gostos, a tudo aquilo que de você ainda resta em mim. Sabe, estou cada dia mais parecido contigo. A mãe diz que até o meu mau humor é parecido com o seu.

Um dia terei minha própria família, e pode ter certeza de que eu vou me esforçar para ser aos meus filhos pelo menos um pouco do que você foi para mim. Direi a eles que o pequeno espaço de tempo em que nossas vidas estiveram cruzadas me fez enxergar o mundo de uma forma diferente. As histerias e as preocupações em relação ao material são tão medíocres, tão dispensáveis em comparação ao sentimental, ao metafísico. Tão irrelevantes quando se trata de pessoas. Ainda mais pessoas que descobrimos ser fundamentais em nossa vida só depois que já não as temos por perto.

Hoje lembrei de você, senti uma vontade gritante de te dizer um sem número de coisas. Mas sei que em algum lugar do futuro isso será possível. Lá ficaremos juntos e tudo será perfeito. Vai ser como você sempre me ensinou: “Tudo vai ficar bem. Papai do céu toma conta de tudo, não se preocupe!”