terça-feira, 1 de março de 2011

Meu amigo Ben


Eu tinha um amigo a quem carinhosamente chamava de Ben. Benjamin era o nome dele.
Ben era um cara bacana. Sorria ao dar bom dia, sorria para se despedir, virava-se sorrindo quando lhe cutucavam, sorria até para os cães que vagavam pela rua. Mas isso não tinha a ver só com felicidade, tratava-se de seu modo peculiar de encarar a vida. Benjamin ria e sorria. Sorria ansioso, eufórico, temeroso, esgotado, irônico ou apenas satisfeito. Seus dentes eram alinhados e vistosos, apesar do cigarro.
Muitos o tachavam de imbecil, sujeito sem pulso firme em cujos gestos escondia-se enorme fraqueza e falta de personalidade. Eu não concordo com isso. Benjamin foi uma das pessoas mais admiráveis que já conheci.
Meu amigo dizia estar no rosto, mais precisamente nos lábios, a fórmula mágica capaz de neutralizar as mais variáveis intempéries do relacionamento humano. Parecia resolver absolutamente tudo com uma simples extensão labial. Foi assim quando, ao manobrar seu Fusca vermelho modelo 78, arrancou o retrovisor do Golf do sogro. Num misto desconcertante entre constrangimento e nervosismo, Ben abriu um sorrisinho amarelo enquanto tentava mensurar o tamanho de sua cagada. Resultado? Um carro idêntico ao do sogro como presente de casamento. Essa é apenas uma das situações estranhas nas quais Ben mostrou os dentes para se safar.
Obviamente sorrindo, ele me contava seus dias. Dizia como sorriu nas tantas vezes em que foi recusado numa entrevista de emprego, como sorriu de dor ao ver descansar a pobre mãe, vítima de uma doença altamente degenerativa. Numa noite de inverno, antes do início da aula de literatura, Ben contou-me como foi abrir seu mais sincero sorriso, aquele que, segundo seus olhos marejados, exprimiu a sensação mais maravilhosa de toda a sua vida. Ben seria pai. Foi pai. O mais sorridente de todos, tenho certeza.
A última vez em que vi meu amigo sorrir foi quando terminamos a faculdade e prometemos não perder contato. Doze anos se passaram desde então.
Penso nele quase todos os dias. Às vezes mais, quando saudoso me recordo dos tempos de estudo. Por onde andará meu amigo? Será que ainda sorri como antes? Será que seus dentes perderam a beleza? Estarão cansados os seus músculos da face? Não sei. Talvez você tenha ouvido falar dele ou até o conheça de vista. Meu amigo é inconfundível. Você só não repararia nele se, assim como fiz por muito tempo, estivesse ocupado demais com a sisudez mórbida daqueles que não sorriem. Por favor, se acaso encontrar meu amigo por aí, diga que sinto saudade.