quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Minha de novo

Vamos, entre
Não tenha medo, sente
Acabe com este silêncio, fale
Pensando bem, cale


Em meu rosto habita tanta dúvida, mire
E em seu dorso, o peso da culpa, mas tire
Não falaremos sobre nossos embates agora, adie
Essa noite é de deleite, então aproveite


O quarto ainda é o mesmo, se achegue
Nossa cama continua refúgio, deite
Não precisamos nem de prelúdio, apenas deixe
Hoje o meu corpo clama pelo seu, por favor, o aceite

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Redentora Visita



Acordou com aqueles olhos de ressaca, vermelhos e inchados como se tivessem dormido por semanas. Parou ante ao espelho do banheiro sujo. A imagem que via era a de um sujeito magro, de braços finos e longos, dentes amarelos e cabelos que lhes caíam até as maçãs do rosto. Lavou a face coberta de pêlos ralos, bebeu água direto da torneira e mijou todo o resultado da noite passada. Cuspiu para o vaso o gosto amargo da boca e, por um momento, pediu que a descarga levasse também algumas de suas memórias.
Na cama novamente, acendeu e tragou seu cigarro barato. Logo na primeira brasa imaginou o quão eficaz seria ter, assim como o urinol, um dispositivo que expelisse toda sorte de excrementos. Resíduos fétidos não absorvidos de seus desamores, relacionamentos malsucedidos e frustrações diversas. Pensou estar delirando.
Abriu as cortinas para verificar se o mundo lá fora estava tão desajustado e mórbido quanto ele o estava. Através da janela observava-se um céu em dégradé, que ia do azul turvo ao cinza triste. Os automóveis, a poucos metros do pequeno edifício de três andares, corriam mudos e pareciam não ter sentido. As pessoas apressavam o passo para fugir da chuva que se aproximava e não olhavam umas para as outras. Pareciam formigas desorientadas e vacilantes.
Alheio ao movimento da rua, tragou o cigarro até o filtro e jogou a bituca na calçada, sem ao menos ter o cuidado de não acertar alguém. Olhando para o nada, achou que o dia combinava com um acontecimento incomum, que agitaria a vizinhança e lhe safaria de sua própria existência. Quis acabar-se na grama do jardim do condomínio. Riu de sua tolice quando se deu conta de que morava no primeiro apartamento logo após o térreo.
Saiu da janela e vestiu o jeans surrado que amarrotava-se junto à parede. A campainha soava delicadamente. Abriu a porta sem espiar pelo olho mágico. Ensaiou uma expressão de surpresa ao deparar-se com a velha mãe, que trazia no rosto um enorme sorriso terno. A mulher entrou, olhou para o filho com os olhos que melhor traduzem a beleza das coisas. Tirou da sacola de feira um potinho com bolinhos de chuva ainda quentes. Acredite, ela fazia os melhores. Tirou também um embrulho, pediu que o filho abrisse. E ele o fez. O que era? Lembranças. Amáveis lembranças envoltas num papel vermelho brilhante. Recordações que cheiravam a pipoca, groselha e maçã do amor. O rapaz rendeu-se às lágrimas. Acariciou o Fusca preto que certo dia ganhara no tiro ao alvo, no parque de diversões que havia se instalado no bairro em que morava. O brinquedo estava perfeito. Ao contrário dele, conservara ilesa toda a simplicidade e a inocência da infância. O filho encolheu-se no chão, recostou a cabeça no colo da mãe e viu nas rugas daquele rosto um motivo para sair do poço de estupidez e perturbação que pouco a pouco o afogava. A velha afagou os cabelos do filho e disse com a voz mais aveludada que existe: - Volta para casa. O seu quarto, suas coisas, o meu amor e tudo o que você abandonou continuam como esse carrinho, intactos.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

"E eu sou só mais um desses meros tão mortais"


Não sei quem está certo em toda essa história. Você me acusa de uma porção de coisas, diz que sou negligente, frio, distante e o diabo. Já objetou acerca de minha previsibilidade e taxou de monótonos os nossos momentos. É tão mais simples identificar o que nos incomoda, não é? Parece que o que nos perturba no outro está sempre à flor da pele, pura e translucidamente perceptível. É. Os sinais de cisão vieram mais cedo do que imaginara. E eu que pensei que isso fosse característico de relacionamentos longevos. Engano meu.
Peço-te perdão. Reconheço que, às vezes,aparento pairar em minha própria órbita. Admito que posso ser incoerente, e até leviano em certos aspectos. Mas, por favor, não me ultraje a ponto de lançar apenas sobre mim o fardo de nossos problemas. Vasculhe sua conduta e verá que em muitas coisas você também tem sido falha. Faça isso sem medo ou culpa. Não há condenação em reconhecer nossas debilidades.
Sabe, sinto o fato de você ater-se a nomenclaturas e simbolismos. Em minha humilde concepção, penso que o que significamos um para o outro é que deveria estabelecer nossas diretrizes. Acho que nossos rostos e a aparente felicidade é que deveriam estampar nossa consideração mútua.
Peço que você não me idealize, seria uma tarefa absolutamente vã. Peço que não me cobre, que não reduza o que há entre a gente a um mero compromisso pré-estabelecido. Desejo sinceramente que deixemos ser, deixemos estar. Quero que aproveitemos e saibamos destilar o que há de melhor em nossa essência. Espero de verdade que façamos valer a pena, que lancemos ao rol dos momentos memoráveis cada peculiaridade do tempo que passamos juntos. Eu ainda estou disposto a isso. E você?