sábado, 27 de agosto de 2011

Carta enviada por mim ao Jornal de Londrina; manifesto de repúdio à truculência e ao autoritarismo empregados por agentes do prefeito

Aproveitando o mote da campanha “Paz sem Voz é Medo”, do GRPCOM, escrevo para expressar minha indignação e revolta com máquina repressora, autoritária e pouco conhecida do Executivo municipal. Na tarde da última sexta-feira, 26/08, estive presente na entrega da academia ao ar livre do conjunto Cafezal. Embalado por aplausos de populares, o prefeito Homero Barbosa Neto, acompanhado de assessores, do secretário de obras e do vereador Roberto Fu, discursava sobre o impacto positivo que as academias causam na saúde dos moradores, em especial a dos idosos. Dado o contexto da oratória, achei que seria oportuno questionar “e o escândalo da saúde, senhor prefeito”? Instantes após a indagação cuja resposta o cidadão de bem londrinense ainda espera, dois homens posicionaram-se praticamente em cima de mim. Não por falta de espaço.

Após perceber que se tratava de artifício de intimidação, resolvi comentar com um deles sobre Oscips corruptas, sobre denúncias que dão conta que seguranças privados foram pagos com dinheiro público para vigiar a rádio do prefeito e sobre as centenas de famílias que podem vir a ficar sem seus provedores, graças à ameaça de demissão dos cobradores do transporte público. Então o homem, que diz acompanhar Barbosa Neto há anos, me acotovelou irritadamente e orientou que eu ficasse quieto, já que não podia provar nada. Após questionamento se ele seria uma espécie de capanga, a discussão se inflamou e eu fui cercado de vez por gente que se dizia do prefeito. A confusão foi tamanha que levou um morador a me empurrar, sob a justificativa de que eu estaria “atrapalhando Barbosa Neto”. Outro cidadão da prefeitura, que fazia fotografias institucionais, cometeu o absurdo de dizer “cala a boca, ou vai ficar ruim para você”. Graças a um questionamento não totalmente despretensioso, mas um tanto quanto genérico, fui agredido, ameaçado e cercado por cinco pessoas. Estes “assessores” ultrajaram não apenas a mim, mas ao artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz respeito à liberdade de expressão.

Mesmo com todo o rebuliço, consegui chegar até o chefe do Executivo municipal. A única pergunta que me permitiram fazer foi sobre a opinião pessoal do prefeito em relação à dispensa dos cobradores da TCGL e da Londrisul. Pior do que ouvir da boca dele que esta medida é, sim, a mais adequada na opinião da prefeitura foi a truculência e o autoritarismo com que fui tratado. Será que tudo isso aconteceria se outros veículos de comunicação que não a rádio Brasil Sul (propriedade de Barbosa Neto) estivessem presentes no evento? Será que essa gente do prefeito acha que pode cometer abusos essa estirpe sem que nada venha à tona? Pelo visto existem pessoas saudosistas do tempo da ditadura aqui na cidade. Cuidado, Londrina, aparentemente há quem simpatize com o despotismo e com a coação.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Entre camas, latidos e salsichas


Farto de acordar todos os dias com o latido estridente do cachorro do vizinho, Caio pulou da cama certo de que aqueles seriam os últimos sonidos emitidos pelo cão. Na cozinha, abriu a geladeira a fim de encontrar algum petisco que chamasse a atenção do saco de pulgas que morava ao lado. Rasgou o plástico que envolvia a bandeja de salsichas de frango, pegou duas e pôs-se a pensar. O plano era acabar com o cachorro do seu Joarez. Não o homem barrigudo e de meia idade cuja mania de lavar o carro impreterivelmente todas as segundas e quintas tanto o irritava. Caio queria calar de uma vez por todas o pinscher ancião que, após dois atropelamentos e um câncer testicular, ficara apenas mais azucrinante.

Temendo perder o ímpeto que o impulsionava, correu até a despensa e apanhou o sempre útil saquinho de Racumin, aquele popular raticida da Bayer que é tiro e queda no combate aos roedores. Pela pequena diferença de tamanho entre um rato viçoso e o cãozinho da casa ao lado, supôs que somente alguns pedacinhos da isca dariam conta do recado. Com a salsicha cortada perpendicularmente, depositou com cuidado quatro grãos de veneno no interior do alimento, acompanhou ansioso os 15 minutos que restavam até que o vizinho saísse para trabalhar e desceu para o primeiro piso.

Lá, Caio se certificou de que não havia ninguém perambulando pelo corredor, abaixou-se em silêncio e, com esforço para que a armadilha não se desmanchasse no atrito entre porta e chão, passou o presente letal por debaixo da entrada. Depois, chamou em tom quase inaudível o cão cujo nome, por ter sido dado no mesmo período histórico, homenageava o único presidente brasileiro cassado. Ao perceber que o importuno animal se dirigia à porta, Caio voltou ao seu apartamento no segundo andar. No dia seguinte e na próxima quinzena que o sucedeu, paz. Não havia som algum, exceto o também incômodo barulho da Variant 79 de seu Joarez.

Numa bela manhã de domingo, porém, às 7h45 em ponto, Caio despertou ao som de latidos. Aguçou os ouvidos para identificar de onde vinha o ruído e logo constatou: originava-se no apartamento de baixo. E, para a infelicidade e fim da tranquilidade matinal de Caio, agora eram ganidos diferentes. Seu Joarez, após ter gastado considerável parcela de suas economias com o envenenamento de Collor, resolveu que uma companhia ajudaria na recuperação do pinscher que, vaso ruim que era, peitava até mesmo a morte. Elizabeth, tal qual a monarca inglesa, era uma dama. É claro que ela, assim como Collor, ladrava insistentemente toda vez que o dono saía de casa. Rouco e sóbrio, seu latido tinha algo de nobre. Mas nobreza nada tem a ver o porre que é aguentar cachorro ranheta quando se quer e precisa dormir sossegado. Caio teria de aumentar a dose de Racumin, e usar duas salsichas da próxima vez.

sábado, 21 de maio de 2011

Educar para a vida

A divulgação de um capítulo do livro Por uma vida melhor, da professora aposentada de língua portuguesa da rede estadual de São Paulo, Heloísa Ramos, e o anúncio de que o Ministério da Educação (MEC) não alterará o sistema de escolha de obras didáticas, causou enorme polêmica nos últimos dias. Debates em torno do assunto colocaram em polvorosa a comunidade formadora de opinião e o tom geral é de escândalo. A publicação é destinada à educação de jovens e adultos e foi distribuída a 4.236 escolas espalhadas pelo território nacional. O livro versa sobre concordância verbal e nominal, defende o uso da linguagem popular, admite e legitima erros gramaticais graves como “os livro ilustrado mais interessante estão emprestado” e “nós pega o peixe”.

Mesmo sob duras críticas por parte de políticos, professores, jornalistas e da própria Academia Brasileira de Letras (ABL), a ONG Ação Educativa, responsável pela produção do livro, afirma que “de forma nenhuma” considera necessário o recolhimento dos exemplares. Linguistas solidários à causa da entidade e da autora dizem que condenações são infundadas e que há que se considerar as enormes diferenças entre língua culta e coloquial, atreladas, na maioria das vezes, à condição social do cidadão.

É claro que devemos compreender a evolução da língua e suas diferentes manifestações nos estratos sociais, entretanto, o que não se pode é endossar falhas grosseiras, ainda mais quando isso for feito com dinheiro público. Por uma vida melhor avisa que o português tal qual os exemplos do início deste texto pode gerar preconceito linguístico, mas não menciona o fato de que o português culto, formal é o cobrado em entrevistas de emprego e concursos públicos, por exemplo. Ora, estaríamos invalidando a função propulsora da educação se investirmos na manutenção do que é errado. Apesar das diversas particularidades de nossa língua como organismo vivo, o português oficial é um só e a forma como ele é ministrado não pode mudar em função da linguagem oral, que, como sabemos, é bem diferente da escrita. Ir contra o padrão da língua é como ensinar tabuada errada, é depreciar a escola enquanto instrumento de efetiva ascensão social.

terça-feira, 1 de março de 2011

Meu amigo Ben


Eu tinha um amigo a quem carinhosamente chamava de Ben. Benjamin era o nome dele.
Ben era um cara bacana. Sorria ao dar bom dia, sorria para se despedir, virava-se sorrindo quando lhe cutucavam, sorria até para os cães que vagavam pela rua. Mas isso não tinha a ver só com felicidade, tratava-se de seu modo peculiar de encarar a vida. Benjamin ria e sorria. Sorria ansioso, eufórico, temeroso, esgotado, irônico ou apenas satisfeito. Seus dentes eram alinhados e vistosos, apesar do cigarro.
Muitos o tachavam de imbecil, sujeito sem pulso firme em cujos gestos escondia-se enorme fraqueza e falta de personalidade. Eu não concordo com isso. Benjamin foi uma das pessoas mais admiráveis que já conheci.
Meu amigo dizia estar no rosto, mais precisamente nos lábios, a fórmula mágica capaz de neutralizar as mais variáveis intempéries do relacionamento humano. Parecia resolver absolutamente tudo com uma simples extensão labial. Foi assim quando, ao manobrar seu Fusca vermelho modelo 78, arrancou o retrovisor do Golf do sogro. Num misto desconcertante entre constrangimento e nervosismo, Ben abriu um sorrisinho amarelo enquanto tentava mensurar o tamanho de sua cagada. Resultado? Um carro idêntico ao do sogro como presente de casamento. Essa é apenas uma das situações estranhas nas quais Ben mostrou os dentes para se safar.
Obviamente sorrindo, ele me contava seus dias. Dizia como sorriu nas tantas vezes em que foi recusado numa entrevista de emprego, como sorriu de dor ao ver descansar a pobre mãe, vítima de uma doença altamente degenerativa. Numa noite de inverno, antes do início da aula de literatura, Ben contou-me como foi abrir seu mais sincero sorriso, aquele que, segundo seus olhos marejados, exprimiu a sensação mais maravilhosa de toda a sua vida. Ben seria pai. Foi pai. O mais sorridente de todos, tenho certeza.
A última vez em que vi meu amigo sorrir foi quando terminamos a faculdade e prometemos não perder contato. Doze anos se passaram desde então.
Penso nele quase todos os dias. Às vezes mais, quando saudoso me recordo dos tempos de estudo. Por onde andará meu amigo? Será que ainda sorri como antes? Será que seus dentes perderam a beleza? Estarão cansados os seus músculos da face? Não sei. Talvez você tenha ouvido falar dele ou até o conheça de vista. Meu amigo é inconfundível. Você só não repararia nele se, assim como fiz por muito tempo, estivesse ocupado demais com a sisudez mórbida daqueles que não sorriem. Por favor, se acaso encontrar meu amigo por aí, diga que sinto saudade.