sábado, 27 de agosto de 2011

Carta enviada por mim ao Jornal de Londrina; manifesto de repúdio à truculência e ao autoritarismo empregados por agentes do prefeito

Aproveitando o mote da campanha “Paz sem Voz é Medo”, do GRPCOM, escrevo para expressar minha indignação e revolta com máquina repressora, autoritária e pouco conhecida do Executivo municipal. Na tarde da última sexta-feira, 26/08, estive presente na entrega da academia ao ar livre do conjunto Cafezal. Embalado por aplausos de populares, o prefeito Homero Barbosa Neto, acompanhado de assessores, do secretário de obras e do vereador Roberto Fu, discursava sobre o impacto positivo que as academias causam na saúde dos moradores, em especial a dos idosos. Dado o contexto da oratória, achei que seria oportuno questionar “e o escândalo da saúde, senhor prefeito”? Instantes após a indagação cuja resposta o cidadão de bem londrinense ainda espera, dois homens posicionaram-se praticamente em cima de mim. Não por falta de espaço.

Após perceber que se tratava de artifício de intimidação, resolvi comentar com um deles sobre Oscips corruptas, sobre denúncias que dão conta que seguranças privados foram pagos com dinheiro público para vigiar a rádio do prefeito e sobre as centenas de famílias que podem vir a ficar sem seus provedores, graças à ameaça de demissão dos cobradores do transporte público. Então o homem, que diz acompanhar Barbosa Neto há anos, me acotovelou irritadamente e orientou que eu ficasse quieto, já que não podia provar nada. Após questionamento se ele seria uma espécie de capanga, a discussão se inflamou e eu fui cercado de vez por gente que se dizia do prefeito. A confusão foi tamanha que levou um morador a me empurrar, sob a justificativa de que eu estaria “atrapalhando Barbosa Neto”. Outro cidadão da prefeitura, que fazia fotografias institucionais, cometeu o absurdo de dizer “cala a boca, ou vai ficar ruim para você”. Graças a um questionamento não totalmente despretensioso, mas um tanto quanto genérico, fui agredido, ameaçado e cercado por cinco pessoas. Estes “assessores” ultrajaram não apenas a mim, mas ao artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que diz respeito à liberdade de expressão.

Mesmo com todo o rebuliço, consegui chegar até o chefe do Executivo municipal. A única pergunta que me permitiram fazer foi sobre a opinião pessoal do prefeito em relação à dispensa dos cobradores da TCGL e da Londrisul. Pior do que ouvir da boca dele que esta medida é, sim, a mais adequada na opinião da prefeitura foi a truculência e o autoritarismo com que fui tratado. Será que tudo isso aconteceria se outros veículos de comunicação que não a rádio Brasil Sul (propriedade de Barbosa Neto) estivessem presentes no evento? Será que essa gente do prefeito acha que pode cometer abusos essa estirpe sem que nada venha à tona? Pelo visto existem pessoas saudosistas do tempo da ditadura aqui na cidade. Cuidado, Londrina, aparentemente há quem simpatize com o despotismo e com a coação.

quinta-feira, 2 de junho de 2011

Entre camas, latidos e salsichas


Farto de acordar todos os dias com o latido estridente do cachorro do vizinho, Caio pulou da cama certo de que aqueles seriam os últimos sonidos emitidos pelo cão. Na cozinha, abriu a geladeira a fim de encontrar algum petisco que chamasse a atenção do saco de pulgas que morava ao lado. Rasgou o plástico que envolvia a bandeja de salsichas de frango, pegou duas e pôs-se a pensar. O plano era acabar com o cachorro do seu Joarez. Não o homem barrigudo e de meia idade cuja mania de lavar o carro impreterivelmente todas as segundas e quintas tanto o irritava. Caio queria calar de uma vez por todas o pinscher ancião que, após dois atropelamentos e um câncer testicular, ficara apenas mais azucrinante.

Temendo perder o ímpeto que o impulsionava, correu até a despensa e apanhou o sempre útil saquinho de Racumin, aquele popular raticida da Bayer que é tiro e queda no combate aos roedores. Pela pequena diferença de tamanho entre um rato viçoso e o cãozinho da casa ao lado, supôs que somente alguns pedacinhos da isca dariam conta do recado. Com a salsicha cortada perpendicularmente, depositou com cuidado quatro grãos de veneno no interior do alimento, acompanhou ansioso os 15 minutos que restavam até que o vizinho saísse para trabalhar e desceu para o primeiro piso.

Lá, Caio se certificou de que não havia ninguém perambulando pelo corredor, abaixou-se em silêncio e, com esforço para que a armadilha não se desmanchasse no atrito entre porta e chão, passou o presente letal por debaixo da entrada. Depois, chamou em tom quase inaudível o cão cujo nome, por ter sido dado no mesmo período histórico, homenageava o único presidente brasileiro cassado. Ao perceber que o importuno animal se dirigia à porta, Caio voltou ao seu apartamento no segundo andar. No dia seguinte e na próxima quinzena que o sucedeu, paz. Não havia som algum, exceto o também incômodo barulho da Variant 79 de seu Joarez.

Numa bela manhã de domingo, porém, às 7h45 em ponto, Caio despertou ao som de latidos. Aguçou os ouvidos para identificar de onde vinha o ruído e logo constatou: originava-se no apartamento de baixo. E, para a infelicidade e fim da tranquilidade matinal de Caio, agora eram ganidos diferentes. Seu Joarez, após ter gastado considerável parcela de suas economias com o envenenamento de Collor, resolveu que uma companhia ajudaria na recuperação do pinscher que, vaso ruim que era, peitava até mesmo a morte. Elizabeth, tal qual a monarca inglesa, era uma dama. É claro que ela, assim como Collor, ladrava insistentemente toda vez que o dono saía de casa. Rouco e sóbrio, seu latido tinha algo de nobre. Mas nobreza nada tem a ver o porre que é aguentar cachorro ranheta quando se quer e precisa dormir sossegado. Caio teria de aumentar a dose de Racumin, e usar duas salsichas da próxima vez.

sábado, 21 de maio de 2011

Educar para a vida

A divulgação de um capítulo do livro Por uma vida melhor, da professora aposentada de língua portuguesa da rede estadual de São Paulo, Heloísa Ramos, e o anúncio de que o Ministério da Educação (MEC) não alterará o sistema de escolha de obras didáticas, causou enorme polêmica nos últimos dias. Debates em torno do assunto colocaram em polvorosa a comunidade formadora de opinião e o tom geral é de escândalo. A publicação é destinada à educação de jovens e adultos e foi distribuída a 4.236 escolas espalhadas pelo território nacional. O livro versa sobre concordância verbal e nominal, defende o uso da linguagem popular, admite e legitima erros gramaticais graves como “os livro ilustrado mais interessante estão emprestado” e “nós pega o peixe”.

Mesmo sob duras críticas por parte de políticos, professores, jornalistas e da própria Academia Brasileira de Letras (ABL), a ONG Ação Educativa, responsável pela produção do livro, afirma que “de forma nenhuma” considera necessário o recolhimento dos exemplares. Linguistas solidários à causa da entidade e da autora dizem que condenações são infundadas e que há que se considerar as enormes diferenças entre língua culta e coloquial, atreladas, na maioria das vezes, à condição social do cidadão.

É claro que devemos compreender a evolução da língua e suas diferentes manifestações nos estratos sociais, entretanto, o que não se pode é endossar falhas grosseiras, ainda mais quando isso for feito com dinheiro público. Por uma vida melhor avisa que o português tal qual os exemplos do início deste texto pode gerar preconceito linguístico, mas não menciona o fato de que o português culto, formal é o cobrado em entrevistas de emprego e concursos públicos, por exemplo. Ora, estaríamos invalidando a função propulsora da educação se investirmos na manutenção do que é errado. Apesar das diversas particularidades de nossa língua como organismo vivo, o português oficial é um só e a forma como ele é ministrado não pode mudar em função da linguagem oral, que, como sabemos, é bem diferente da escrita. Ir contra o padrão da língua é como ensinar tabuada errada, é depreciar a escola enquanto instrumento de efetiva ascensão social.

terça-feira, 1 de março de 2011

Meu amigo Ben


Eu tinha um amigo a quem carinhosamente chamava de Ben. Benjamin era o nome dele.
Ben era um cara bacana. Sorria ao dar bom dia, sorria para se despedir, virava-se sorrindo quando lhe cutucavam, sorria até para os cães que vagavam pela rua. Mas isso não tinha a ver só com felicidade, tratava-se de seu modo peculiar de encarar a vida. Benjamin ria e sorria. Sorria ansioso, eufórico, temeroso, esgotado, irônico ou apenas satisfeito. Seus dentes eram alinhados e vistosos, apesar do cigarro.
Muitos o tachavam de imbecil, sujeito sem pulso firme em cujos gestos escondia-se enorme fraqueza e falta de personalidade. Eu não concordo com isso. Benjamin foi uma das pessoas mais admiráveis que já conheci.
Meu amigo dizia estar no rosto, mais precisamente nos lábios, a fórmula mágica capaz de neutralizar as mais variáveis intempéries do relacionamento humano. Parecia resolver absolutamente tudo com uma simples extensão labial. Foi assim quando, ao manobrar seu Fusca vermelho modelo 78, arrancou o retrovisor do Golf do sogro. Num misto desconcertante entre constrangimento e nervosismo, Ben abriu um sorrisinho amarelo enquanto tentava mensurar o tamanho de sua cagada. Resultado? Um carro idêntico ao do sogro como presente de casamento. Essa é apenas uma das situações estranhas nas quais Ben mostrou os dentes para se safar.
Obviamente sorrindo, ele me contava seus dias. Dizia como sorriu nas tantas vezes em que foi recusado numa entrevista de emprego, como sorriu de dor ao ver descansar a pobre mãe, vítima de uma doença altamente degenerativa. Numa noite de inverno, antes do início da aula de literatura, Ben contou-me como foi abrir seu mais sincero sorriso, aquele que, segundo seus olhos marejados, exprimiu a sensação mais maravilhosa de toda a sua vida. Ben seria pai. Foi pai. O mais sorridente de todos, tenho certeza.
A última vez em que vi meu amigo sorrir foi quando terminamos a faculdade e prometemos não perder contato. Doze anos se passaram desde então.
Penso nele quase todos os dias. Às vezes mais, quando saudoso me recordo dos tempos de estudo. Por onde andará meu amigo? Será que ainda sorri como antes? Será que seus dentes perderam a beleza? Estarão cansados os seus músculos da face? Não sei. Talvez você tenha ouvido falar dele ou até o conheça de vista. Meu amigo é inconfundível. Você só não repararia nele se, assim como fiz por muito tempo, estivesse ocupado demais com a sisudez mórbida daqueles que não sorriem. Por favor, se acaso encontrar meu amigo por aí, diga que sinto saudade.

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Ainda sobre a academia

Fazia muito tempo que eu não escrevia nada por aqui. Para falar a verdade, não escrevia em lugar algum. Se bem me recordo, a última vez em que escrevi foi quando o professor de técnicas pediu que cada um da minha turma fizesse uma reportagem com 10 mil caracteres, que rechearia nosso impresso laboratório.Isso foi em setembro. Nada mudou de lá para cá. O período letivo chegou ao fim, e, com o arrependimento que previ ainda no começo do ano, lamento-me nestas linhas.
É frustrante fazer um retrospecto dos últimos 9 meses e chegar à conclusão de que, por fraqueza, covardia, comodismo, ou qualquer outro adjetivo que couber, deixei de lado muito do que me era útil e necessário. Abandonei uma disciplina somente porque não quis me sujeitar às madrugadas prostrado ao computador e ao minucioso crivo das monitoras de diagramação. Para justificar essa decisão, eu disse que utilizaria o tempo livre para me dedicar decentemente às demais matérias, escrever no blog, ler mais, essa coisa toda.Não fiz nada disso. Tudo o que consegui foi me aperfeiçoar na arte da procrastinação, foi inventar desculpas imbecis para as atividades não realizadas, para os textos não escritos, foi respaldar todo o meu desleixo em justificativas que eu considerava relevantes, mas que não eram válidas.
Não sei o que desencadeou o desânimo de que fui refém durante todo este ano. O fato é que larguei as rédeas, apenas observei a banda passar, deixei minha vida acadêmica ao deus dará. Penso que muito disso seja por conta do fantasma que ainda hoje, às vésperas do penúltimo ano de faculdade, sussurra aos meus ouvidos que isso não é para mim. Se estava correto em escolher jornalismo como graduação e dizer que isso era o que eu queria fazer pelo resto dos meus dias, ótimo. Se não, ainda vou descobrir.
Bom é saber que sempre existirá um universo de possibilidades. Melhor ainda é recordar que, na contramão de minhas insatisfações enquanto estudante, dois mil e dez reservou-me belas surpresas em outras esferas. A melhor delas foi a que me salvou o ano, mas isso é assunto para um outro dia.

sábado, 17 de julho de 2010

Sobre minhas falhas enquanto estudante


Eu estava querendo algo que me desse respaldo, algo que legitimasse minha conduta, me livrasse de algumas obrigações e ao mesmo tempo trouxesse paz. Não encontrei nada senão as censuras de minha auto-condenação. É que eu cansei, sabe? Cansei das cobranças que incidem sobre estudantes medianos. Sim, eu sou um aluno medíocre. Não me comprometo, não leio bibliografias, estudo a poucos minutos antes das provas e às vezes nem estudo. Gostaria de frequentar disciplinas optativas, participar de projetos de pesquisa, escrever nesse blog de forma decente, atuar mais como um ser pensante em plena vida universitária. Mas isso exige o tempo de que não disponho. Aliás, faço minhas as palavras de Viviane Mosé, digo que ando exercendo instantes.
Tão ligeiros têm passado os meus dias que volta e meia esqueço na cama a força e a disposição. Há que se trabalhar, render, prestar contas, pagar contas. Família e amigos estão aí e reclamam atenção. A solidariedade tem que acontecer eu faço questão disso. Viver implica uma versatilidade capaz de transtornar e fadigar qualquer um. Exige-se sorriso, abraço, irreverência, presença. Momentos depois, prudência, sisudez, responsabilidade. Daí que por não saber lidar com tantas variantes, acabo relegando o que deveria ser prioridade.
Talvez eu me arrependa por ser tão negligente. Prefiro acreditar que, assim como aprendemos, somos seres adaptáveis. Quanto tempo leva esse período de adaptação? Não sei. O meu tem se arrastado já há um ano e meio.

terça-feira, 11 de maio de 2010

Estranha e intrigante Marília

Marília não era do tipo que bebia café, não gostava de música alta e tampouco reclamava dos ônibus lotados que todos os dias tomava. Marília não navegava na internet, mantinha apenas o e-mail profissional que checava sem vontade duas vezes por dia. Antiquada, a moça não tinha telefone celular. E também não havia razão para tal. A jovem de 27 anos vivia sozinha na cidade e seu amigo mais chegado era Napoleão, o simpático basset com quem vivia no pequeno apartamento.Ela também subia uma ou duas vezes por semana ao andar de cima do prédio. Gostava de emprestar livros e hora ou outra jogar cacheta com o casal de vizinhos, Joanana e Martinho. Não se ouvia Marília cantar, praguejar, nem mesmo bater a porta. Sua feição era sempre a mesma, inexpressiva. Embora trabalhasse no escritório há três anos e meio, o comportamento de Marília ainda suscitava muitos comentários. Uns diziam que ela tinha vida sexual frustrada, como de fato tinha, mas por opção própria. Outros diziam que ela vinha de algum trauma de infância. Havia ainda a parcela de fuxicos que afirmava que a jovem tinha vocação para freira. Tolo engano. O cabelo embaraçado sempre preso e os óculos de armação pesada encondiam a perspicácia de uma mente frenética. Marília raramente dizia algo sem antes ser perguntada, preferia calar. Apesar de não verbalizar a maioria de suas impressões, Marília tinha, sim, muito a dizer. Acontece que ela julgava não valer a pena. Seus olhos percorriam toda e qualquer superfície, eram viciados em notar imperfeições e cores destoantes. Mas o resultado de todas as suas análises ela guardava para si. Não compatilhava nada. Desde o verso bonito de algum importante literato até o gosto da manga verde que adorava comer com sal. Marília sabia que havia algo errado. Não era possível que ela se bastasse daquela forma. Apesar da aparente insanidade, a moça adorava o seu jeito. Adorava gargalhar por dentro. Adorava ouvir seus gritos ecoando por entre os órgãos a partir do cérebro. Adorava vomitar sua ironia por sobre a mesa do chefe e enfeitar as ruas cinzas com as cores de seus pensamentos. Marília adorava ser assim, rica e sozinha, estranha e intrigante.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

"Primavera nos dentes"



Hoje essa letra fala por mim:



Quem tem consciência para ter coragem
Quem tem a força de saber que existe
E no centro da própria engrenagem
Inventa a contra-mola que resiste
Quem não vacila mesmo derrotado
Quem já perdido nunca desespera
E envolto em tempestade decepado
Entre os dentes segura a primavera
(Secos e Molhados)



Quem sabe também a minha boca exale o perfume das rosas...

domingo, 25 de abril de 2010

"Sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada"


Não há mais nada aqui dentro.
Não há vestígios da mente outrora super povoada.
Não há mais o barulho das risadas, tampouco o som das ideias pipocando.
Aqui já não há vontade nem prazer, senão o artificialmente produzido.
Ah, e onde foram parar as antigas aspirações?
Quem levou embora a minha certeza e apagou a luz ao sair?
O que me resta dos velhos hábitos é suficiente para me manter são?
Ainda existe inocência? Ainda há redenção?
Não sei. Como eu disse, roubaram minha certeza.
Por aqui não há mais nada. A não ser o arquétipo malsucedido do bom rapaz.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Pergunta


O que fazer quando a dor latente extrapola o espaço que habitualmente ocupa e escorre através dos olhos?
O que dizer sobre tanta ausência, sobre tudo o que poderia ser e que não foi?
Sinto falta. Falta dos conselhos que nunca pude ouvir, das censuras que nunca recebi, dos abraços de que necessitei e que jamais serão restituídos.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Minha de novo

Vamos, entre
Não tenha medo, sente
Acabe com este silêncio, fale
Pensando bem, cale


Em meu rosto habita tanta dúvida, mire
E em seu dorso, o peso da culpa, mas tire
Não falaremos sobre nossos embates agora, adie
Essa noite é de deleite, então aproveite


O quarto ainda é o mesmo, se achegue
Nossa cama continua refúgio, deite
Não precisamos nem de prelúdio, apenas deixe
Hoje o meu corpo clama pelo seu, por favor, o aceite

sábado, 13 de fevereiro de 2010

Redentora Visita



Acordou com aqueles olhos de ressaca, vermelhos e inchados como se tivessem dormido por semanas. Parou ante ao espelho do banheiro sujo. A imagem que via era a de um sujeito magro, de braços finos e longos, dentes amarelos e cabelos que lhes caíam até as maçãs do rosto. Lavou a face coberta de pêlos ralos, bebeu água direto da torneira e mijou todo o resultado da noite passada. Cuspiu para o vaso o gosto amargo da boca e, por um momento, pediu que a descarga levasse também algumas de suas memórias.
Na cama novamente, acendeu e tragou seu cigarro barato. Logo na primeira brasa imaginou o quão eficaz seria ter, assim como o urinol, um dispositivo que expelisse toda sorte de excrementos. Resíduos fétidos não absorvidos de seus desamores, relacionamentos malsucedidos e frustrações diversas. Pensou estar delirando.
Abriu as cortinas para verificar se o mundo lá fora estava tão desajustado e mórbido quanto ele o estava. Através da janela observava-se um céu em dégradé, que ia do azul turvo ao cinza triste. Os automóveis, a poucos metros do pequeno edifício de três andares, corriam mudos e pareciam não ter sentido. As pessoas apressavam o passo para fugir da chuva que se aproximava e não olhavam umas para as outras. Pareciam formigas desorientadas e vacilantes.
Alheio ao movimento da rua, tragou o cigarro até o filtro e jogou a bituca na calçada, sem ao menos ter o cuidado de não acertar alguém. Olhando para o nada, achou que o dia combinava com um acontecimento incomum, que agitaria a vizinhança e lhe safaria de sua própria existência. Quis acabar-se na grama do jardim do condomínio. Riu de sua tolice quando se deu conta de que morava no primeiro apartamento logo após o térreo.
Saiu da janela e vestiu o jeans surrado que amarrotava-se junto à parede. A campainha soava delicadamente. Abriu a porta sem espiar pelo olho mágico. Ensaiou uma expressão de surpresa ao deparar-se com a velha mãe, que trazia no rosto um enorme sorriso terno. A mulher entrou, olhou para o filho com os olhos que melhor traduzem a beleza das coisas. Tirou da sacola de feira um potinho com bolinhos de chuva ainda quentes. Acredite, ela fazia os melhores. Tirou também um embrulho, pediu que o filho abrisse. E ele o fez. O que era? Lembranças. Amáveis lembranças envoltas num papel vermelho brilhante. Recordações que cheiravam a pipoca, groselha e maçã do amor. O rapaz rendeu-se às lágrimas. Acariciou o Fusca preto que certo dia ganhara no tiro ao alvo, no parque de diversões que havia se instalado no bairro em que morava. O brinquedo estava perfeito. Ao contrário dele, conservara ilesa toda a simplicidade e a inocência da infância. O filho encolheu-se no chão, recostou a cabeça no colo da mãe e viu nas rugas daquele rosto um motivo para sair do poço de estupidez e perturbação que pouco a pouco o afogava. A velha afagou os cabelos do filho e disse com a voz mais aveludada que existe: - Volta para casa. O seu quarto, suas coisas, o meu amor e tudo o que você abandonou continuam como esse carrinho, intactos.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

"E eu sou só mais um desses meros tão mortais"


Não sei quem está certo em toda essa história. Você me acusa de uma porção de coisas, diz que sou negligente, frio, distante e o diabo. Já objetou acerca de minha previsibilidade e taxou de monótonos os nossos momentos. É tão mais simples identificar o que nos incomoda, não é? Parece que o que nos perturba no outro está sempre à flor da pele, pura e translucidamente perceptível. É. Os sinais de cisão vieram mais cedo do que imaginara. E eu que pensei que isso fosse característico de relacionamentos longevos. Engano meu.
Peço-te perdão. Reconheço que, às vezes,aparento pairar em minha própria órbita. Admito que posso ser incoerente, e até leviano em certos aspectos. Mas, por favor, não me ultraje a ponto de lançar apenas sobre mim o fardo de nossos problemas. Vasculhe sua conduta e verá que em muitas coisas você também tem sido falha. Faça isso sem medo ou culpa. Não há condenação em reconhecer nossas debilidades.
Sabe, sinto o fato de você ater-se a nomenclaturas e simbolismos. Em minha humilde concepção, penso que o que significamos um para o outro é que deveria estabelecer nossas diretrizes. Acho que nossos rostos e a aparente felicidade é que deveriam estampar nossa consideração mútua.
Peço que você não me idealize, seria uma tarefa absolutamente vã. Peço que não me cobre, que não reduza o que há entre a gente a um mero compromisso pré-estabelecido. Desejo sinceramente que deixemos ser, deixemos estar. Quero que aproveitemos e saibamos destilar o que há de melhor em nossa essência. Espero de verdade que façamos valer a pena, que lancemos ao rol dos momentos memoráveis cada peculiaridade do tempo que passamos juntos. Eu ainda estou disposto a isso. E você?

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Beginnig


Sinto-me meio cansado, desmotivado. E isso não tem nada a ver com ninguém, a não ser comigo mesmo. Talvez eu não seja maduro o bastante para levar coerentemente minha semi vida adulta. Gostaria muito e receio que eu realmente necessite de férias. Deixar para trás velhos (e queridos) rostos, contas pendentes, livros a serem lidos e filmes por assistir, e todos os protocolos e rituais de minha rotina, nem que fosse por um curto espaço de tempo seria, no mínimo, aliviador.

Às vezes penso que tudo o que precisamos é esquecer (d)a vida, para quiçá então vivê-la intensamente. Esta seria uma bela frase, não fossem o ônus e as dificuldades que pô-la em prática implicam.

Dois mil e dez está só começando. Nos primeiros instantes de sua chegada não fiz nenhum pedido em especial e tampouco estabeleci metas para o novo ano. Acho que tudo o que desejo são conversas espontâneas, sussurros ao pé do ouvido, olhares e sorrisos sinceros e abraços apertados de braços acolhedores. Em 2010 quero mais noites sem dormir, quero minha risada fácil, quero beijos intermináveis. Peço que este ano me preseteie com alegres banhos de chuva, com café e cama quentinhos, com mais adrenalina nas veias.

Ao fim deste ano quero rever meu baú particular, e me certificar de que valeu a pena acumular toda a bagagem ali contida.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

E meu mundo girou


Ontem me peguei revirando algumas gavetas. Não sabia muito bem o que procurava, talvez tudo o que eu queria era rever livros, apostilas e papéis velhos que ali jaziam desde 2008. Passei brevemente os olhos sobre o caderno que usava no cursinho, reli alguns esboços de redação, encontrei o encarte publicitário do cursinho, com a foto e o nome dos aprovados no vestibular 2009 da UEL. Foi bom recordar aquele vitorioso 16 de janeiro, ouso dizer que foi um dos dias mais felizes da minha vida. O ano de 2009 realmente passou voando. Mesmo sem saber se fiquei ou não de exame em Sociologia, sinto-me estimulado com o fato de em breve me tornar um veterano.
Esse primeiro ano na Universidade foi um tempo intenso e de muitas mudanças, foi, sem dúvida, um período de amadurecimento e enriquecimento cultural. Todavia, creio que as melhores recordações não ficaram por conta das técnicas jornalísticas que aprendi ou dos seminários que apresentei. As pessoas que conheci esse ano, sim, foram responsáveis por minhas melhores lembranças. Desde as mais cômicas como as reuniões no Parque Universitário e as peripécias pelos barzinhos da cidade, até as mais simples como os jantares no RU e os papos regados ao café aguado do Pinguim. Para mim, ingressar na academia não significou apenas o ponta pé inicial para a profissão que escolhi, representou encontrar pessoas incríveis, cuja amizade eu quero levar para o resto da vida.
Em 2009 eu aprendi que passar o fim de semana estudando nem sempre garante boas notas, mas o fazer continua sendo a alternativa mais coerente. Aprendi também a não traçar longos percursos, e sim percorrê-los aos poucos enquanto seu trajeto é desenhado ao sabor do acaso. Nesse ano me vieram novos amores, cada um, com sua graça peculiar, me fez (faz) feliz de maneiras diferentes. Também em 2009, veio ao mundo o maior amor da minha família, uma bela e encantadora garotinha de olhos grandes. Em outubro eu finalmente consegui a aguardada CNH, minha carta de alforria aos ônibus lotados.
Em 2009 eu chorei, sorri, gritei, dancei (sim!). Esse foi o ano em que percebi o quanto fico engraçado quando de porre. Foi o ano em que tive medo, medo de perder pessoas que estimo, medo da violência, medo da rejeição, medo de fazer escolhas erradas, medo da vida. Mesmo assim, digo sem sombra de dúvidas que foi o ano em que mais vivi! Àqueles que, de uma forma ou outra, me ajudaram, me alegraram, me suportaram ou simplesmente marcaram presença, o meu obrigado. Vocês contribuíram para a construção de parte da minha felicidade (porque a felicidade é algo que edifica-se em partes, cuja estruturação jamais cessa). E, por que não, do meu caráter.