terça-feira, 11 de maio de 2010

Estranha e intrigante Marília

Marília não era do tipo que bebia café, não gostava de música alta e tampouco reclamava dos ônibus lotados que todos os dias tomava. Marília não navegava na internet, mantinha apenas o e-mail profissional que checava sem vontade duas vezes por dia. Antiquada, a moça não tinha telefone celular. E também não havia razão para tal. A jovem de 27 anos vivia sozinha na cidade e seu amigo mais chegado era Napoleão, o simpático basset com quem vivia no pequeno apartamento.Ela também subia uma ou duas vezes por semana ao andar de cima do prédio. Gostava de emprestar livros e hora ou outra jogar cacheta com o casal de vizinhos, Joanana e Martinho. Não se ouvia Marília cantar, praguejar, nem mesmo bater a porta. Sua feição era sempre a mesma, inexpressiva. Embora trabalhasse no escritório há três anos e meio, o comportamento de Marília ainda suscitava muitos comentários. Uns diziam que ela tinha vida sexual frustrada, como de fato tinha, mas por opção própria. Outros diziam que ela vinha de algum trauma de infância. Havia ainda a parcela de fuxicos que afirmava que a jovem tinha vocação para freira. Tolo engano. O cabelo embaraçado sempre preso e os óculos de armação pesada encondiam a perspicácia de uma mente frenética. Marília raramente dizia algo sem antes ser perguntada, preferia calar. Apesar de não verbalizar a maioria de suas impressões, Marília tinha, sim, muito a dizer. Acontece que ela julgava não valer a pena. Seus olhos percorriam toda e qualquer superfície, eram viciados em notar imperfeições e cores destoantes. Mas o resultado de todas as suas análises ela guardava para si. Não compatilhava nada. Desde o verso bonito de algum importante literato até o gosto da manga verde que adorava comer com sal. Marília sabia que havia algo errado. Não era possível que ela se bastasse daquela forma. Apesar da aparente insanidade, a moça adorava o seu jeito. Adorava gargalhar por dentro. Adorava ouvir seus gritos ecoando por entre os órgãos a partir do cérebro. Adorava vomitar sua ironia por sobre a mesa do chefe e enfeitar as ruas cinzas com as cores de seus pensamentos. Marília adorava ser assim, rica e sozinha, estranha e intrigante.

5 comentários:

  1. Poderia dizer q em certos detalhes sou igual a ela.

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  2. eu adorei, como sempre, gosto de como é direto e simples em tudo o que fala, você é admirável dan, como sempre. sinto sua falta.
    beijos,

    /cachecol colorido.

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  3. Todos temos uma Gabriela dentro de si...
    é o q eu acho...
    Parabens novamente :P

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  4. Essa Marília existe? E a garota da foto?!? Fiquei intrigada...

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