segunda-feira, 27 de julho de 2009

Desventuras de uma vida vã


Naquela noite fria e chuvosa Bernardo abriu a janela de seu quarto, como se aquele gesto realmente pudesse o libertar da prisão em que havia se tornado sua vida. A chuva tinha dado trégua, o que fez Bernardo fechar a veneziana e retornar ao calor de sua cama foi a brisa fria, um incômodo vento que parecia lhe penetrar a pele até o mais recôndito do ser. O vento que adentrara o recinto trouxe à mente lembranças de um passado não muito distante, detalhes cheios de significado, feridas mal cuidadas que lhe causavam dor.
Dessa vez ele estava sozinho, já não havia o singelo e acolhedor olhar da mãe idosa, velhinha que mesmo doente não mediu esforços para fazer a última visita ao filho na capital. Amanda, sua primeira e única amada, também já não se fazia presente. Não quisera ser cúmplice daquele lento suicídio, voltou para o interior, lugar do qual jamais deveria ter se afastado. Dentre todos os resquícios de sua antiga vida feliz, o que sem dúvida dilacerava o coração e a consciência de Bernardo era a falta que fazia seu filho. Desde o dia em que a mãe o levou embora consigo os cômodos da residência não passavam de meros espaços sem vida. Já não se ouvia o som dos passos do garoto brincando pelo pequeno apartamento. Não escutava-se risos, nem mesmo aquele choro que esbanjava saúde e energia. Tudo o que o homem encontrava ao sair de seus aposentos era a casa vazia e sem cor, vítima involuntária da morbidez em que havia se transformado sua existência.
Mas ele sabia que suas escolhas passadas o haviam conduzido àquela situação, também tinha conhecimento quanto ao que era necessário para que as coisas começassem a se restabelecer. Mesmo assim, já não restavam forças, Bernardo estava entregue, seu maior arrependimento era ter abandonado a cidadezinha onde havia sido criado. Levado pela esperança de alcançar uma boa formação e um emprego bacana, ele deixou sua velha mãe. Ao lado da então namorada, Bernardo obteve muito sucesso, posteriormente veio o casamento e o nascimento de sua mais preciosa jóia. Fascinado pelo dinheiro e pelo aparente reconhecimento, Bernardo fez da empresa em que trabalhava o seu mundo particular. Saía de casa antes das 9:00 h e só retornava quando esposa e filho já estavam dormindo. Em pouco tempo tudo aquilo se tornou insustentável, Amanda tomou sua decisão, Bernardo também, apesar de agora aquilo lhe causar incomparável dor. Só então ele enxergava o quanto havia sido egoísta, lamentava que as palavras não tivessem volta e que algumas escolhas determinassem de forma irremediável o curso das coisas.
Exausto pelas infindáveis noites sem dormir Bernardo levanta, abre novamente a janela, já está amanhecendo. É hora de enganar seu organismo, fingir que está tudo bem e que sua mente está sã o suficiente para encarar mais um dia na metrópole. Não há justificativa para que ele não quebre de uma vez por todas aquelas correntes invisíveis, aquele ciclo doentio, a não ser a de que ele está cansado de mais para arquitetar um recomeço, esboçar uma reação. Lá se vai outro dia na vida de mais um desafortunado, que heroicamente persiste em suportar o insuportável, esquecer as latentes mas dolorosas chagas, dar sequência àquilo que diariamente lhe rouba a vida.

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